Nasci.
Não consigo abrir os olhos, nem andar, mas percebo a presença de um ser da
minha espécie cem vezes maior que eu. É minha mãe, ela gostou de mim, com
sua língua quente me fez carinho, me limpou, também cortou o cordão umbilical
(nem doeu) e me colocou juntinho dela. Posso sentir seu calor. Ops! Tem outros
cachorrinhos do meu lado, somos irmãos. Chegou mais um... Mais outro, mais
outro. Tudo isso estava dentro da barriga de mamis? Ouvi alguém dizer que somos
doze.
Cachorro
é diferente de ser humano, para esses basta chorar e a mãe corre para dar o
peito. Tenho que disputar uma teta com meus irmãos famintos. Os maiores levam
vantagem, é claro. Eles são mais fortes, sugam com força. Sou pequeno e não sei
se vou sobreviver. Uma mão humana de vez enquanto vem aqui e me põe para mamar
numa teta, ou então me dá uma teta esquisita de plástico, com leite de vaca.
Estou crescendo, consigo abrir meus olhos e ensaio os passinhos com pernas
trêmulas. Minha mãe é linda, ela é da raça Fila Brasileiro, seu nome é Luma. E
assim fomos crescendo até minha mãe não querer mais nos amamentar, acho que é
porque temos dentinhos e a machucamos. Ouvi dizer que vão nos vender e assim
meus irmãozinhos foram indo embora um a um. Sinto saudades deles. Eram tão
legais nossas brincadeiras e o que eu mais gostava era dormir pertinho deles e de
mamãe, ficávamos quentinhos.
Agora,
somos apenas eu e minha mãe, ninguém me quis, minha cabeça é descomunal para
meu corpo, sou esmirrado e desengonçado. Deve ser por isso que me chamam de
Feioso, mas não fico com raiva, porque eles me tratam com muito carinho,
principalmente uma menina linda de olhos azuis e cabelos longos, parecida com
uma princesa dos contos de fadas. Ela brinca comigo, faz carinho e me deixa
adormecer em seu colo. Aqui no sitio, a minha amiga vive com os pais, o
sargento Otto, dona Helena e seu irmão Samuel. Todos trabalham e minha jovem
amiga só estuda, tendo assim mais tempo para ficar comigo, me dar banho e até
escovar meus dentes. Minha mãe Luma me disse que todo cachorro que se preza,
escolhe um dono. Já decidi: minha dona será a amiga Nana. Por isso quando ela
chega faço a maior festa, balançando o rabo e choro de alegria.
Fui
crescendo e minha feiúra foi diminuindo, fiquei tão bonito que apareceu
comprador, mas meus donos resolveram ficar comigo. O sargento Otto me levou
para tomar vacinas e ganhei o nome de Xerife. Acho que ele quer que eu seja
valente e tome conta do sítio na sua ausência. Estou feliz porque vou ficar.
Eles me tratam com carinho. Quando todos saem fico com minha mãe. Ela brinca
comigo e me ensina caçar saruê e também as galinhas da vizinha que teimam em vir
aqui.
Um
dia um sujeito pulou o muro e foi andando em direção da casa, ele com certeza
não era amigo da família, pois os amigos quando chegam batem à porta e meus
donos abrem. Então minha mãe Luma e eu resolvemos mostrar que ele não era bem
vindo. Quando ele nos viu, saiu correndo para pular o muro, mas minha mãe o
alcançou, abocanhou o seu short e puxou. Risos. Ele foi embora só de cueca.
O sargento, quando encontrou o short perto do muro, entendeu o que tinha
acontecido. Ficou agradecido, nos fez afagos e disse: - Muito bem! Em outra
ocasião um garoto também entrou no quintal, corremos atrás dele e ele deixou
cair a sacola. Acho que ele queria pegar frutas.
Um
dia a família tinha saído. Minha mãe achou uma comida que jogaram lá de fora,
por cima do muro, ela comeu e começou a passar mal, a uivar e se contorcer de
dor, até ficar paralisada. Pensei que ela estava dormindo. O tempo foi passando
ela não acordou. Quando dona Helena chegou fui avisá-la que acontecera algo
muito triste. Ela estranhou o fato de eu estar muito agitado e sozinho, então
foi procurar minha mãe. Quando a encontrou inerte, foi aquele chororô.
Depois puseram minha mãe Luma dentro do carro e nunca mais a vi. Senti saudades
dela.
E
assim fiquei sozinho aqui no sitio. Um dia, fiquei entediado, muito mal
humorado mesmo. Deitei no canil e não estava querendo ver ninguém. Quando
alguém chegava perto, eu rosnava e mostrava meus dentes. Minha dona foi me ver,
também não quis saber dela. Sem entender minha reação, ela chorava e dizia: - Xerife
sou eu, você não está me reconhecendo? O sargento ficou preocupado com
meu comportamento e foi conversar com o veterinário, Dr. Marcus, que o aconselhou
a me sacrificar para não por ninguém em risco. Contrariado o sargento reuniu a
família e deu a noticia. Nana não aceitou de bom grado aquela resolução e
esbravejou: - De jeito nenhum eu vou deixar que matem meu cachorro. Ele deve está
com alguma carga negativa! Pegou resina de uma árvore chamada Breuzim, fez um
defumador e entrou no canil. Foi aquela fumaceira. Eu não conseguia
respirar direito e meus olhos ardiam. Mas uma coisa é certa: sai dali de dentro,
bonzinho.
O
meu piti passou e a vida continuou até o sargento adoecer e ficar muitos dias hospitalizado.
Três bandidos, armados de facão e de porretes, resolveram entrar no sítio. Não poderia
deixar isso acontecer, sou um cão de guarda. Fui para cima deles. Eles me
atraíram para o rio, começaram a me bater muito e me furaram com o facão.
Agora
sem poder me mexer aqui dentro rio, sangrando e sentindo dores. Vou lembrar da
meiguice da princesa Nana, da nossa amizade e que fomos muito felizes. Sei que ela
irá chorar muito e sentirá minha falta. O sargento ficará orgulhoso, não o
decepcionei. Ele dirá que sou um herói, porque cumpri meu dever. Estou ficando
cada vez mais fraco. A correnteza do rio está levando meu sangue e minha
energia. Estou desfalecendo.
Agora
vou dormir igual a minha mãe Luma.
5 comentários:
(Padrão usado em todos os textos comentados para dar a todos um tratamento igual). Fazendo pois uso dos critérios apontados no regulamento, deixo aqui minha impressão: ortografia, gramática e pontuação: se há erros graves desta natureza, não percebi durante a leitura, porém necessita de pequena revisão, detalhes. O final é triste, a narrativa comove. Parece estar dentro da proposta do concurso (observando o requisito de demonstração de afeto pelo animal), porém não cabe a mim julgar esta questão, apenas deixar aqui uma opinião sobre os textos. Avaliação pessoal: entre bom e muito bom. Parabéns à autora ou ao autor e boa sorte! (Torquato Moreno)
Sob a ótica do animal a narrativa é sempre mais comovente. História com final nada feliz, mas com cara de vida real. Parabéns! Marina Alves.
Texto bom, dentro dos parâmetros do concurso, com boa sequência de imagens literárias e final melancólico. Há incorreções gramaticais de fácil correção. Parabéns a quem o produziu
Que belo texto! É realmente sensacional. Consegui identificar várias lições que poderíamos tirar desta história e isso deixa o texto muito mais interessante. O que mais me chamou atenção foi a lealdade e a inteligência do animal para com os humanos e o amor dos humanos para com eles.
Meus parabéns! Dá pra notar a sensibilidade do autor do texto.
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