quinta-feira, 15 de maio de 2014

Rivaldo


RIVALDO contado por Celêdian Assis...

E poetizado pelo Poeta do Deserto...

Depois de sentir a arte viva das esculturas, que parecem suar sob aquele sol de uma quentura constante, que parecem zombar do olhar estupefato do turista, que parecem contar a labuta dos artistas, que parecem sorrir e acariciar a quem as percebe além dos detalhes precisos e que as acolhe na alma por tudo que elas têm a dizer, é hora de saborear tapiocas. Não são quaisquer tapiocas, são especialidades típicas das barracas do Alto da Sé. São segredos guardados com arte por aquelas mulheres simpáticas, que encantam e cada qual, com seu tempero ou ingrediente, com os quais recheiam de delícias as suas receitas e seduzem ao mais exigente paladar.
Anoitece. Hora do encontro dos poetas e de juntos assistirem lá do alto o espetáculo de luzes que se estende de Olinda até o Recife, brilhos de lâmpadas e estrelas, o reflexo delas sobre o mar, pintando uma aquarela de rara beleza e de uma poesia que lhes desafia os sentidos. Depois, momento de descer as ladeiras, íngremes, estreitas, calçadas de pedras escorregadias e irregulares, ladeadas por escadarias. As ladeiras guardam desde a memória de índios expulsos, do suor dos escravos, até a cobiça pela magia do lugar, que deixaram os holandeses e portugueses extasiados e que deixaram uma história que se mantém viva e impregnada em cada detalhe daquele lugar.
Ladeiras abaixo, hora de vislumbrar a bela arquitetura das igrejas, dos casarões, que assediam o olhar até daquele mais desatento; hora de degustar licores naquela esquina que dá origem a outra ladeira e encontrar o tal Rivaldo, um ser humano raro e em extinção.
Com uma simpatia ímpar, sorridente, com uma simplicidade encantadora, aquele homem aparentando ter uns sessenta e tantos anos, de pronto se aproximou, apontou logo uma vaga segura para o carro, já foi logo contando sobre os perigos da rua e sobre a sua eficiência em fazer a vigilância. Percebendo o olhar curioso dos poetas, se ofereceu para mostrar o jardim do velho casarão.
Aquele jardim mais parecia um quintal, ou uma mini floresta e os poetas olhavam maravilhados, enquanto Rivaldo falava da história daquele lugar como se fosse a sua própria casa, com orgulho e alegria. Abriu aquele pesado portão de ferro e apresentou-lhes o cenário deslumbrante que se descortinava por detrás daquelas árvores antigas, de onde se via a cidade que fervilha história. Acompanhando-os passo a passo descrevia detalhadamente tudo o que ele sabia e todo o conhecimento das experiências de uma vida de um homem simples. Apontou-lhes a sacada do casarão e então começou a contar, com deslumbramento, o que acontece naquelas ladeiras durante o carnaval, dos blocos de maracatu, afoxé, de samba e tantas outras manifestações.  Já foi logo os convidando para voltarem na próxima semana, quando começaria o carnaval e que os poetas viessem participar da festa junto à sua família, a qual ele traria para assistir dali daquela sacada.
Ele era apenas o caseiro, o vigia, mas falava com tanta segurança, que parecia ser o proprietário do casarão. Uma figura brilhante, carismática e que tinha soluções para todas as coisas, de um jeito brincalhão, mas os poetas logo perceberam, o quanto ele acreditava em tudo que dizia. Até quando um deles, brincando, falou: - o senhor só não consegue arranjar ovo de pato (macho mesmo), não é? Rivaldo sério disse que não duvidassem, porque ele conseguiria e começou a contar uma história de um lugar qualquer, onde um sujeito tinha um pato que botava ovos... Tudo porque, há mais poesia no coração daqueles que acreditam na simplicidade de suas fantasias, do que ousamos supor.
A prosa continuou por algum tempo com aquele sujeito tão especial e os poetas se despediram de Rivaldo, com a promessa de que voltariam com um poema, que fosse fiel e retratasse apenas, toda a poesia daquele momento.
 E o Poeta do Deserto agora vai lhes contar as proezas de Rivaldo, seu jeito de agradar...
        De guarda carros a acendedor de velas, vigia das vielas, domador de feras, maçanetas polidas, tudo pode arranjar, de botijão de gás a moças donzelas, olho de vidro, papagaio e gazela, origami, tábua de frios, lustre a cintilar, bola de bilhar, pedaço de mortadela, areia de praia, fígado com moela, boneca de pano, o seu nome é se doar;
 E a poesia que costumeiramente encanta, com as palavras inusitadas e habilidosas que dançam, aquele ser humano surgiu a superar, ser grande com coração de criança, que mesclado ao lúdico nos convida para a sua dança, em meio à selva de pedras, solidariedade esbanja, no mundo onde os metais compram tudo o que há, quiseram os poetas não mais deixar de ser criança, entreolharam-se e continuaram suas andanças, pois, o mundo os convidava para o vil putrefar;
 Eis que no mundo encantado de Rivaldo o pato bota ovo, órgão da Prefeitura se transmuta em oportunidade de ouro, para com uma simplicidade astuta, nos estupefar; se as ladeiras com licores soubessem o que se sucede, e os bastidores do coração de um ser sem quaisquer temores, em ser anfitrião em prédio que não é o seu lar, com plantas enfileiradas em abundantes cores, as flores sorridentes distribuindo odores, e aquele ser sorrindo a nos emocionar, emoção advinda de nossos egos questionadores, de como um ser que tão pouco tem, oferta tudo que há.

*Nota: Rivaldo é caseiro de um prédio público de Olinda, uma lenda viva e que tornou possível vivermos essa história real.
Olinda – PE (2012)

Celêdian Assis de Sousa & Felipe Padilha de Freitas (O Poeta do Deserto)

Autores: 
Celêdian Assis - Belo Horizonte/MG
Felipe Padilha - Recife/PE


Publicação autorizada pelos autores

9 comentários:

Patricia disse...

Olá Celêdian, amei Rivaldo, um texto interessante, inteligente e com um teor poético que o diferencia dos demais textos do gênero, também pudera: é o encontro de dois poetas, dos bons. Além do mais é uma declaração de amor a minha terra, o meu Pernambuco. Não sei se posso falar em nome do povo daqui mas vou ousar e lhe agradecer por levar o nome da nossa terra adiante através do Rivaldo, personagem e pessoa que logo vou conhecer. Um abraço.

Fabiana Lopez disse...

Celêdian, sou Fabiana, a irmã da Patrícia e também sobrinha do Carlos A Lopes, seu amigo. A minha irmã falou do seu texto e li juntamente com o meu marido, aqui em São paulo, onde resido e sou modelo. Não sei se terei o prazer de conhecer o tal Rivaldo pessoalmente, porém você como o seu texto maravilhoso já me fez chegar bem perto. parabéns pela criação e um forte abraço.

Carlos A. Lopes disse...

Minha amiga Celêdian, como já disse a Aline Branco, o seu texto Rivaldo eu também gostaria de ter escrito. É evidente que apenas gostaria, não tenho o tempero necessário para tal importância, porém entendo que certas homenagens e descobertas são mais autênticas quando percebidas por pessoas fora do círculo de amizade do homenageado. Assim foi com o Rivaldo, personagem e pessoa que se prestou com suas características peculiares que tanto despertou em vocês a amizade e o desejo de homenagear a terra local através dessa pessoa, cujas qualidades também vai me incentivar a conhecê-lo em breve. Do seu texto nem preciso falar pois é uma obra de arte cujos criadores são dotados de capacidade que são percebidas em cada palavra do texto. É poesia derramando pelas tabelas, como se diz por cá. Um abraço e obrigado.

Maria Mineira disse...

Parabéns!O que acabei de ler é uma verdadeira prosa poética. Não é apenas um texto, é o que chamo de história escrita com a alma e o coração. Abraço aos autores, Celêdian e Poeta do deserto!

Celêdian Assis disse...

Olá, Patrícia, obrigada por suas palavras tão amáveis e a apreciação do texto. Você presenciou em algumas oportunidades, o meu olhar extasiado por PE e sabe o quanto é verdadeiro quando falo com poesia desse lugar. E não é só o lugar que me encantou, foram pessoas especiais como você e seu tio Carlos, tipos populares como Rivaldo, o Poeta do Deserto, Felipe, que também é daí, além de tantos outras pessoas que pude conhecer, que igualmente me encantaram. E prometo a vocês, em minha próxima ida a Olinda, vamos juntos procurar Rivaldo.
Um beijo para você, querida.
Celêdian

Celêdian Assis disse...

Olá, Fabiana, obrigada pela sua leitura e que bom que de certa forma consegui transportá-la para perto daquele cenário maravilhoso que PE inteiro tem. Bom também saber que é da família dessas duas pessoinhas lindas que amo e que tive o prazer de desfrutar da maravilhosa companhia deles, enquanto estive passeando por lá. Então seja igualmente bem vinda e um grande abraço para você e seu marido.
Celêdian

Celêdian Assis disse...

Carlos, meu querido amigo, poderia repetir o mesmo que eu disse para Patrícia e Fabiana, mas não precisa, você sabe o quanto aprecio vocês e a sua terra. Só cabe acrescentar que devo muito a você, por muitas coisas que conheci desta terra, através da sua maravilhosa companhia e também através de suas histórias contadas em seus livros solo, além de tantos outros autores daí que vem nos apresentando, através de nossas coletâneas Gandavos. Portanto, meu amigo, só tenho que agradecer e homenagear essa gente que me tem sido tão especial.
Obrigada e um abraço grandão para você.
Celêdian

Celêdian Assis disse...

Maria Mineira querida, fico muito grata pela sua leitura, por suas palavras e contente que tenha gostado. Obrigada! Você é uma grande parceira na arte de escrevinhar e aprecio muito o que escreve, como já tive oportunidade de te falar.
Obrigada e um grande abraço para você.
Celêdian

Helena Frenzel disse...

Texto maravilhoso, meus sinceros parabéns, ótima parceria! Encantada com essa leitura, sem exageros, vivíssimas descrições. "Há mais poesia no coração daqueles que acreditam na simplicidade de suas fantasias, do que ousamos supor." Sim, o lúdico... escrever é brincar, escrever é reviver. Grande abraço, contadores. Até!