A coruja piou no exato momento em que o João bateu
na porta da casa da Amaralina para pedi-la em namoro. Ninguém notou aquele pio
arredio e tampouco deram atenção ao fato. Pois a coruja continuou piando até
que aquele barulho irritadiço os fez dar uma olhada no pátio para ver o que
estava acontecendo e quando o João botou os pés fora, ela parou de piar.
Piou novamente quando o candidato a genro entrou na
casa e parou assim que ele saiu de novo. Pois o João resolveu entrar e sair
para ver se a coisa era com ele. A coruja parava e piava de acordo com as
entradas e saídas do rapaz.
O pai da Amaralina, aproveitando a deixa, mandou o
rapaz embora, já que com toda aquela piadeira, ficava quase impossível
conversar e aproveitou para dizer um “boa noite” carregado de impropérios não
ditos. Não gostara do rapaz e a coruja piando quando o dito entrava, estava
mais que claro que ela compactuava com as mesmas ideias dele. Nem conhecia o
João, que dirá deixa-lo namorar a única filha.
E no dia seguinte, quando a coruja avistou o João
dobrando a esquina, vindo em direção à casa da Amaralina, desatou numa piação
que dava dó. O pai da moça, escutando aquilo, já saiu com a espingarda na mão,
de tocaia. Esperou com a arma engatilhada o João chegar e pediu aos gritos quem
vinha lá, ao que João respondeu “sou eu”, e o pai, revirando os olhos ante aquela
intimidade nunca dada perguntou de novo quem era e o João apareceu diante do
seu olho fechado, porque o aberto estava na mira da espingarda.
Pediu de novo o nome do rapaz - como se tivesse
esquecido das apresentações da noite anterior - e tinha que ser o nome completo
e que fosse embora porque Amaralina estava ajudando a mãe na lida, e aquelas
eram horas de trabalho e não de visitas.
O pai da Amaralina vendo o rapaz voltar de onde
veio com a cabeça baixa dos derrotados, olhou com tanto amor àquela coruja; tão
sagaz quanto ele, tão esperta e visionária, que a tomou para si como guardiã do
lar e claro, da filha. Levou a ave para dentro de casa e a troca de amores era
tão grande que sua esposa enciumou-se.
Pois aquele homem tratou de auxiliar a coruja na
alimentação, limpeza e moradia, tudo no mais rico primor dos que amam. Durante
as refeições, enquanto a esposa dispunha os pratos na mesa, o pai colocava o
prato da coruja com um belo camundongo, bem ao seu lado para que ela
participasse das refeições, porém, as mulheres ficavam enojadas e mal
conseguiam colocar os talheres na mesa que dirá sentarem-se ali.
Resolveram o imbróglio deixando o pai e a coruja
comerem numa mesa separada e elas comeriam na sala. Quanto ao João, aquele
candidato à genro, resolveu mandar bilhetes à Amaralina, pedindo-lhe que
namorassem escondido, sendo aceito sem muitas delongas pela moça apaixonada.
Aconteceu que passado uns seis meses, a moça ficou
de barriga e o João desapareceu sem deixar rastro. Foi uma desgraceira naquela
casa, até a coruja adoeceu e recebeu mais cuidados que a própria Amaralina, que
sofria com as dores atrozes do amor abandonado.
Nisso, toda a vizinhança já estava sabendo do acontecido
e muito se condoeram da situação, e a coruja ficou com o estigma premonitório
das desgraças ambulantes. Todos os dias, mães e pais aflitos batiam na porta da
casa da Amaralina, com pedacinhos de papéis rasgados, todos eles com algum nome
escrito para que a coruja piasse diante do maléfico.
O pai e a coruja passavam o dia procurando aquele
meliante roubador dos sonhos alheios e continuaram buscando, sem dó nem piedade
e não parariam nunca de procurar, nem que fossem ao fim do mundo. Uma noite, o
pai, não aguentando mais as longas caminhadas, mandou a coruja em seu lugar,
sozinha, e que não voltasse sem notícias, ou quem sabe até, trazendo um pedaço
daquele João.
A coruja, incansável em sua busca, por fim
encontrou o dito do João, em outra cidade com mulher e filhos. O que ela pensou
ou resolveu ninguém pode dizer, mas o fato é que ela voltou para casa, muitos
meses depois que o neto nascera com uma flor no bico. Uma flor de maracujá.
Voltou extenuada e foi recebida com muita alegria
por parte do pai e de Amaralina. Trataram o bichinho com um esmero lindo e
avisaram a vizinhança que provavelmente aquela flor era do túmulo do João,
aquele jagunço. Fizeram até uma festa na comunidade em honra à honra da
Amaralina que tinha o filho pendurado no peito e a coruja no ombro.
Toda essa manifestação de apreço não passava
despercebida pela mãe da Amaralina, cujo ciúme vinha crescendo numa constante.
Resolveu dar cabo daquela ave dos diabos. A coruja percebeu as más intenções da
mulher e toda vez que a via piava, num pio tímido como a temer pela própria
vida, com razão.
O marido notou, mas interpretou aqueles pios
baixinhos como um sinal da falta da natureza e dos seus e resolveu colocar a
coruja para fora de casa. Era a deixa para a esposa executar seu horrível plano.
Com a raiva que sentia chegou a perder o asco por
camundongos e ofertou à coruja um envenenado e colocou no pratinho e ria aquele
riso aflito dos que tem sede de vingança e foi quando a ave bicou o petisco que
chegou o delegado com alguns nomes de possíveis meliantes para que a coruja
piasse em sua premonição para as maldades humanas. O delegado nunca vira a
esposa dando comida ao bicho e estranhou o fato da coruja estar fora da casa e
devido ao seu tino investigativo, escondeu-se num mato próximo. Viu tudo e não
pôde fazer nada. Era tarde demais.
Ouviu o riso doente daquela mulher, viu quando ela
enterrou por ali mesmo o resto do rato que ficara e deixando a coruja estendida
no chão se debatendo ante os estertores da morte iminente.
Restou ao delegado sair de seu esconderijo e
mostrar-se. O confronto foi pior que o dia que a Amaralina contou estar
grávida. A mãe baixou a cabeça e escutou tudo o que diziam e foi para o quarto,
de onde nunca mais saiu.
O pai, a filha e os vizinhos prepararam um enterro
digno para aquele animal de estimação que fora mais que amado, fora um presente
dos céus para livrar aquela herdade esquecida do mundo contra as crueldades
humanas.
E naquele lugar ninguém nunca se esqueceu da coruja
premonitória, sendo lembrada por muitos anos além do que se pode imaginar.
4 comentários:
rsrs... simpatizei com o bichinho. Não é uma fofa essa corujinha premonitória? Envolvente conto, com ingredientes que nos prendem, nos estimulam a continuar. Muito bem escrito. Marina Alves.
(Padrão usado em todos os textos comentados para dar a todos um tratamento igual). Fazendo pois uso dos critérios apontados no regulamento, deixo aqui minha impressão: ortografia, gramática e pontuação mostram que o autor ou a autora tem domínio dos mecanismos da língua e consegue transmitir idéias de modo eficaz e bastante criativo – se há erros de linguagem, não detectei durante a leitura. Trata-se de uma narrativa que envolve bastante, cria um certo suspense e apresenta um desfecho coerente e bom. A aura bem humorada de causo, muito bem contado por sinal, é uma boa forma de retratar as esquisitices, curiosidades e a maldade humana. A trama é simples e convence. A narrativa parece aproximar-se bastante da proposta do concurso (observando o requisito de demonstração de afeto). Avaliação pessoal: muito bom! Parabéns à autora ou ao autor. (Torquato Moreno)
Muito bom texto. Leitura agradável e envolvente. As imagens sugeridas são condizentes com o texto e o desfecho adequado. Parabéns ao autor/autora.
Texto bem elaborado, mas, achei um pouco longo e cansativo.
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