Sempre
que conto este causo, meus amigos dão muita risada e depois ficam tirando onda
comigo, dizendo que é mentira ou coisa do gênero, mas, como eles sempre pedem
bis, resolvi escrever essa história que é mais ou menos assim...
Eu
tinha um cachorro que se chamava “deserto”...
Era
um cachorro muito especial. Ele demonstrava alegria fora do comum quando um de
nós retornava para casa. Cachorro paquero, só no nome, pois como caçador era um
desastre. Na verdade ele não tinha uma raça bem definida, parecia-se com um
bassê, ou era um bassê, sei lá! Só sei que era comprido, baixinho e de orelhas
enormes, iguais aqueles de uma certa propaganda de amortecedores. Talvez, um
pouco maior.
Como
disse antes, para caçar era um desastre, medroso, preguiçoso, porem, muito querido,
era do tipo que, quando ia bater nele, ao invés de correr, deitava de costa,
abria as pernas e a boca numa gritaria danada.
No
ano de 1968, com apenas sete anos, numa bela noite de verão, depois de muito
esforço para convencer minha mãe de que eu já tinha condições de participar de
uma caçada de tatu, resolvemos organizar uma: eu e meus irmãos, o Dé, o Chico, o Nego, o Elias
e o Tião. Cada um tinha uma função mais ou menos definida no grupo. Eu, por
exemplo, tinha a função de iluminar, com a lamparina caso encontrasse alguma
toca e fosse necessário cavar, já que não tinha condições físicas para exercer
outra atividade.
Nossa
propriedade, um pequeno sítio de dez alqueires ficava à margem esquerda do
ribeirão do Corvo, Noroeste do Paraná. Tinha um capão de mato, (reserva) de
floresta original, com caça em abundância e sem as chamadas leis de proteção à
Fauna e a Flora, onde costumávamos caçar.
O
Dé, como o mais velho e, portanto, no comando, distribuiu as tarefas:
—
Elias, você e o Chico peguem os cachorros e vão na frente que eu e os meninos
vamos ajeitar as ferramentas (facão, foice, enxadão etc.) e iremos a seguir.
—
Está bem! Disse o Elias, mas eu não vou levar o Deserto. Ele só atrapalha.
—
Leva sim, vai que precisa ajudar a cavar e o Guarani (cachorro caçador) sozinho
pode cansar.
—
Está bem! Meio a contra gosto, mas, concordou.
Partiram,
e com poucos minutos, já ouvimos latidos do Guarani que já tinha acuado um
tatu. Corremos para lá.
Chegando
lá, só vimos terra vermelha que subia e o Guarani, cachorro valente como
poucos, ia arrancando até pequenas raízes com os dentes, na ânsia de capturar a
caça, mas, como a toca era no pé de uma enorme peroba rosa e não dava para
ajudar com os enxadões, o jeito foi deixar o cachorro fazer o serviço. Claro
que depois de alguns minutos, como era de se esperar, o Guarani demonstrou
cansaço.
Foi
então que o Dé teve a brilhante idéia de tirar o Guarani e colocar o Deserto
para cavar um pouco, afinal, ele tinha ido para isso.
—
Chico, tire o Guarani do buraco para ele descansar, enquanto coloco o Deserto
para cavar um pouco.
—
Só se os meninos me ajudar, porque não vai ser fácil tirar ele do buraco, tem
que tirar a força e ficar segurando (cachorro valente).E assim foi feito.
O
Dé introduziu o Deserto no buraco, para dar sequência na escavação. Foi nesse
momento que o bicho demonstrou toda sua qualidade preguiçosa:
— Snif, snif, frull... au... au... frull... au...
au...
Ele
dava umas farejadas, emitia um som característico e umas latidas abafadas e
nada de cavar. E nós incentivando-o. Pega! Deserto. Pega!...
Ele,
depois de várias farejadas e muitos latidos, resolveu cavar. Claro, dentro do
seu estilo.
Escorou
o corpo sobre a pata esquerda e começou cavar com a direita, com algumas pausas
para farejar novamente e tornar a latir.
— Snif, snif, frull... au... au... frull... au...
au...
O
Dé, nessas alturas já começava a ficar furioso. O Chico, bastante gozador,
começou a provocar:
—Nós
falamos para deixar essa tranqueira em casa que ele só atrapalhava! Agora toma!
Acho é pouco.
O
Dé, coitado, resolveu dar mais uma incentivada no cão.
—
Vamos Deserto, Pega! Pega!...
Que
nada, o Deserto continuou na mesma batida, ele apenas trocou de lado e começou
a cavar com a pata esquerda.
Isso
foi demais. O Dé pegou ele pelo rabo, girou umas duas vezes sobre a cabeça e o
atirou numa moita de arranha gato próxima.
Ele
fez o escândalo que lhe era peculiar e sumiu para casa, chorando e todo
arranhado.
A
caçada parou por aí. Apesar do Guarani ter tirado o tatu, voltamos um pouco
frustrados.
Quando
chegamos em casa, o Deserto já estava nos esperando, saltando e abanando o rabo
com a maior alegria do mundo, como se nada tivesse acontecido.
2 comentários:
(Padrão usado em todos os textos comentados para dar a todos um tratamento igual). Fazendo pois uso dos critérios apontados no regulamento, deixo aqui minha impressão: ortografia, gramática e pontuação: em ordem (considerando o vernáculo que, naturalmente, não se considera ‘erro’). Coincidentemente, como no texto comentado anteriormente (provavelmente que dá sequência a este, pois fala no Deserto também), notei uma frase na qual parece que faltou uma vírgula. Fora isso, se há erros dessa natureza, não identifiquei durante a leitura. Um causo muito agradável de se ler, senti-me envolvido pela história de ‘caçador’. Não sei se está totalmente de acordo com a proposta do concurso (observando o requisito de demonstração de afeto pelo animal), mas não cabe a mim julgar essa questão, apenas deixar aqui uma opinião sobre os textos do concurso. Avaliação pessoal: entre bom e muito bom. Parabéns à autora ou ao autor e boa sorte! (Torquato Moreno)
Muito boa a história do Deserto. Afinal muito antes da Lei ele já era contra a caça e o desmatamento. Parabéns ao autor.
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