quinta-feira, 29 de maio de 2014

Texto: 33 (do concurso) - Cavalo alado

Havia chegado o dia em que seriam colocadas as ferraduras no meu cavalo. O ferreiro chegou cedo e depois do café reforçado começou o serviço pelos burros de carga. Depois seria a vez dos cavalos de carroça e por fim os animais de sela.

Eu tinha dito a meu pai que não queria que fossem colocadas ferraduras em Besouro, mas opinião de uma criança de oito anos nunca foi levada em consideração por ninguém.


Besouro, presente de meu padrinho, era cavalo para sela, grande e gordo que todos os dias tomava banho no açude e era escovado. Eu gostava de montar no pelo mesmo, sem arreios, sem sela, sem manta, sem nada. Quando chegávamos à beira do açude eu ficava nu e montado segurando na crina do pescoço dizia:

- Vamos nadar Besouro?

Ele atendia na hora, entrava na água até ficar flutuando e nadava em círculos por muito tempo. Foi assim que eu aprendi a nadar. Quando chegava ao meio do açude eu descia do lombo dele e nadava em volta. Às vezes segurava no rabo dele para ser rebocado. Essa brincadeira durava horas, muitas horas.
Besouro estava solto no piquete e ficou, com as orelhas murchas, observando o trabalho do ferreiro. Eu fui para perto dele e disse:

- Oh! Besouro se você não quiser usar ferradura vai ter que ir-se embora da fazenda. Tem que largar isso tudo e fugir para bem longe onde ninguém lhe conheça. Eu só não vou com você porque mamãe não deixa, mas se ela deixasse, eu bem que iria. A gente podia sair galopando por esse mundão a fora, podia até voar.

Besouro olhava para mim com aqueles olhos grandes e movia a boca como se quisesse falar alguma coisa. Aí eu perguntei:

- Você quer ir nadar no açude comigo?

Ele balançou a cabeça e relinchou como se estivesse sorrindo. Abri a porteira e montei.

- Ei! Menino, pra onde você vai levar esse cavalo? Deixe-o preso porque só faltam três animais para chegar a vez dele.

- Eu vou dar uma volta no açude, pai! Volto logo.

E antes que meu pai pudesse dizer alguma coisa, Besouro saiu num galope danado.

Ao chegamos eu desci para tirar a roupa e Besouro deitou para se espojar. Quando terminou entramos no açude com água até o pescoço. Montei e senti um volume estranho nos dois lados das costelas dele. Nadamos por uns quinze minutos aí eu disse:

- Vamos?

Besouro saiu do açude em passos lentos e antes que eu pudesse descer para me vestir ele iniciou um galope feroz e de repente, antes de chegarmos à porteira, abriu as asas e voou.

Diante do olhar espantado de todos, desci junto à varanda e Besouro voou bem alto, até sumir nas nuvens para nunca mais voltar.



3 comentários:

Anônimo disse...

Que conto mais lindo! E esse amor entre o menino e o cavalo é comovente. Parabéns! Marina Alves.

Anônimo disse...

(Padrão usado em todos os textos comentados para dar a todos um tratamento igual). Fazendo pois uso dos critérios apontados no regulamento, deixo aqui minha impressão: ortografia, gramática e pontuação: se há erros graves desta natureza, não percebi durante a leitura. Embora o título pareça revelador e o texto seja simples, considerando que a simplicidade natural é um lugar difícil de se chegar e é o que perseguem muitos artistas (dizendo os tais), a forma criativa como o autor ou a autora apresentou a ‘súbita fantasia’ do vôo, valorizou muito a narrativa, dando um ar de ‘causo bom de se ouvir’. Parece que está de acordo com a proposta do concurso (observando o requisito de demonstração de afeto pelo animal), porém não cabe a mim julgar esta questão, apenas deixar aqui um comentário sobre os textos. Avaliação pessoal: entre bom e muito bom. Parabéns à autora ou ao autor e boa sorte! (Torquato Moreno)

Jussara Burgos disse...

Pégaso é real no imaginário infantil e um sonho dos adultos desde a Grécia antiga. Adorei seu conto, é leve e bonito. Parabéns.