- Quem vai querer picolé, quem vai querer picolé
no palito!
Menino franzino carregando meu corpo magro de 10
anos de vida, com no máximo 28 quilos em peso era eu, transportando pelas Ruas
do Morro da Liberdade, uma caixa cheia de picolé bem posiciona em meu frágil
mais determinado ombro esquerdo, nos idos dos anos 70. À caixa, havia um pano
enrolado a apoiá-la e era proporcional ao meu tamanho de menino franzino!
- Ei menino, venha aqui!
Entrava eu espantado com aqueles homens falando
coisas que não entendia: “hoje o Brasil vai destroçar com o fulano..., “depois
vai arrasar sicrano...”. E eu imaginando que uma nova guerra mundial que estava
se iniciando e que, mais uma vez, o Brasil tinha entrado na luta. Guerra, só
causa destruição no início e, muito tempo depois, começam a surgir evoluções em
várias áreas, sobretudo nas da medicina e na de tecnologia, as que mais se
aproveitam com o horrores da guerra.
Só eu não sabia disso naquela época. Em Manaus,
ainda não havia transmissão de TV, internet ou qualquer tipo de tecnologia das
que existem hoje.
Certa vez, em visita a meus avós, lembro-me ter
presenciado a avó chorando porque escutara pelas ondas do rádio, no interior do
Varre-Vento, que o homem chegara e pisara em solo lunar, em 1969! Lucilla dizia
que o mundo estava para acabar, que era impossível um homem chegar à lua,
quando mais pisá-la em local que tantos sonhos alimentara dos poetas no
passado, presente e ainda os alimentará no futuro.
Lembro-me, também, que para melhor ouvir a
transmissão pela emissora de rádio, todo construído em madeira com uma tela na
frente, acho que pela Rádio Nacional, minha avó pedira ao meu avô para fincar
no terreiro do quintal duas varas e de uma ponta a outra, amarrar um fio de
arame e, no meio, fora colocado outro fio para funcionar como se fosse uma
antena para sua melhorar audição. Não sei se minha avó chorava pela proeza ou
porque haviam conseguido pisar no solo que embalara muitos poetas!
Devido à ênfase que davam as palavras nos bares em
que entrava, pensava que a III Guerra Mundial tinha começado e eu não estava
sabendo de nada! Como podia sabê-lo sem qualquer tipo de comunicação naquela
época, a não ser as ondas do rádio, que minha família não podia adquirir?!!!
Muito mais tarde vim, a saber, que estávamos em
plena Copa do Mundo de 70, ainda na sua nona edição, entre 16 seleções, sendo
nove européias, União Soviética, Bélgica, Itália, Suécia, Inglaterra, Romênia,
Tchecoslováquia, Alemanha Ocidental e Bulgária, cindo americanas, México, El
Salvador, Uruguai, Brasil e Peru, uma asiática, Israel e uma africana, a
seleção do Marrocos.
Mas em minha inocência infantil, nem desconfiava
que os homens falassem sobre a Copa do Mundo! Também, como já afirmei, não
existia televisão em Manaus; só rádio naquela época, e em pouquíssimas casas,
só na dos afortunados, como definíamos todas as que possuíam muito dinheiro, ou
nem tanto assim!
Nos jogos que eram disputados no México, todas as
seleções, que eu imaginava ser uma guerra, estavam jogando nas cidades de
Guadalajara, León, Cidade do México, Puebla e Taluca.
Muito mais tarde, viera eu saber que para a Copa
de 70, promovida no período de 31 de maio a 21 de junho, em pleno Regime
Militar no Brasil, foram convocados Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Gérson,
Clodoaldo, Carlos Alberto Torres, e Piazza, estrelas da copa de 1966, além de
outros tantos reservas.
Nas semifinais da Copa, ocorreu o chamado jogo do
século, disputado entre as seleções da Alemanha e Itália e, aos 90 minutos,
Karl-Heinz Schenellinger empatou a partida e levou o jogo para a prorrogação,
quando as duas seleções duelaram em uma sucessão de virada de placar, até que a
Itália vencera a Alemanha por 4 X 3, única partida da copa a ter cinco gols, e
na prorrogação, segundo registros históricos.
E eu lá sabia disso quando vendia picolés pelas
ruas de Manaus, em minha inocência infantil. Também desconhecia que a Seleção
brasileira, que vencera todos seus jogos na fase eliminatória, era uma das
favoritas, razão da euforia dos homens à mesa do bar! Só soubera desses fatos
mais tarde! Se soubesse disso naquele tempo, quando vendia picolés nas ruas da
cidade, andando sempre a pé, com minha já tradicional sandália havaiana ao pé,
certamente teria entrado na conversa dos homens, com certeza, se permitissem a
um menino que não sabia de nada, dizer alguma coisa! Mas além de inocente, meu pai
me ensinara a respeitar os mais velhos, fossem quem fossem, onde quer que se
encontre!
A final da Copa do Mundo da Fifa de 1970 foi
disputada pelo Brasil, que vencera os jogos contra as seleções do Uruguai e
Peru. A seleção da Itália eliminara as seleções da Alemanha Ocidental e do
México. A partida final foi realizada no dia 21 de junho no Estádio Azteca, na
cidade do México e o Brasil venceu por 4 X 1, depois de um primeiro tempo
empatado. A “guerra” entre as seleções terminara e a taça Jules Rimet, veio
para o Brasil para, depois ser roubada e derretida pelos ladrões.
Nos mesmos bares e em vários outros também, depois
do dia 21 de junho, passei a ouvir à música“Guadalajara/Mora em meu coração...”
e “cem milhões de corações/ todos com bandeiras na mão...” Em minha inocência
de picolezeiro, eu lá sabia o que era uma Copa do Mundo, como escreveu o cantor
Sérgio Souto em sua música, “Albatroz”... “eu lá sabia o que era um albatroz” e
quanto euforia contida poderia ser liberada!
Hoje, sinto saudades! A molecada inocente se
divertia com essas coisas que pareciam ser bonitas. Mas era só o Governo
Militar fazendo uso político do tri-campeonato de forma invicta conquistado
pelo Brasil, para permanecer um pouco mais no poder, enquanto os revoltosos
protestavam em Universidades e outros lugares onde pudessem se reunir na
clandestinidade!
Autor: Carlos Costa - Manaus/AM
Blog do autor: http://carloscostajornalismo.blogspot.com/
Publicação autorizada através de e-mail de 07/03/2012
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