Já ia terminando o ano de 2009, minutos finais e na pacata cidadezinha de Piracema uma noite fora do normal. Muita gente nas ruas. Na praça uma geração nova se acotovelando, para ver os fogos de artifício numa posição privilegiada. Daquela geração, que como eu, não tinha estas regalias na infância e juventude, só se via alguns gatos pingados. Sei lá por qual razão os fogos coloridos não lhes chamou a atenção e não os trouxe até a praça. Quem sabe se estivessem por ali, estariam revirando a memória e lembrando os bons tempos.
Eu fiquei ali esperando o ano novo chegar e olhando a casa que eu nasci, de frente para a praça, já toda modificada. Até ganhou um segundo andar e o meu antigo quarto virou uma loja, onde funciona uma “lan house”. Confesso que não gostei, me pareceu uma invasão da história que vivi naquela casa. Primeiro porque a casa já não é mais de meus pais, ganhou uma arquitetura diferente e depois, na verdade acho que eu não queria ver ali a marca registrada da modernidade.
Inicialmente veio aquela sensação de nostalgia, mas foi logo quebrada pela alegria geral, pelo céu colorido de muitas cores, os rojões estourando em diversos tons. Efusivos abraços, beijos enamorados, promessas e tanta esperança estampada em cada sorriso escancarado. Era 2010 que acabava de chegar. Na expressão de cada rosto parecia que ali se extinguiam todas as mazelas e que daquele minuto em diante tudo seria diferente. Eu não estava ali como mera expectadora. Claro que dei e ganhei muitos abraços e muitos bons fluidos de uns para os outros foram passados. Meus filhos, alguns irmãos, sobrinhos, umas tias, entre outros, lá estavam.
Terminada toda a farra na praça e de volta à casa senti de novo aquela vontade de relembrar fatos. Voltei aos meus 6 anos ou pouco mais. Naquela época era comum faltar luz na cidade, pois dependia da usina da cidade vizinha, Passa Tempo e às vezes até por rivalidade, deixavam de fornecer energia. Enfim, para mim e meus irmãos a falta de luz era bem divertida, pois era a oportunidade que tínhamos de nos aninharmos todos na cama de meus pais e ouvirmos estórias. Comparo isto aos filmes na TV que hoje as crianças se reúnem para assistir com seus pais, só que bem mais divertido.
As estórias que mais nos agradavam eram aquelas que nos provocavam medo. Entre as estórias prediletas havia uma de tal de Murunga. Nunca tinham o mesmo enredo, pois eram inventadas na hora, mas o personagem em questão era sempre o mesmo e representava um capetinha. Quando terminavam de contar, meus pais assistiam a disputa de quem tinha menos medo.
Cada um de nós queria se mostrar mais valente que o outro. Neste momento um deles, meu pai ou minha mãe, dizia que precisava de pó de café para preparar o café da manhã do dia seguinte, pois o de casa havia acabado. Perguntava quem de nós poderia buscar o pó na casa de minha avó, que ficava a uns 150 metros da nossa. Aquele que fosse o mais corajoso sairia na rua naquela escuridão. Uma vez decidido quem iria, esperávamos que ele (a) saísse e íamos para a janela. Meu pai ou minha mãe gritava então: “Murunga, Murunga, cuidado que ele vai te pegar.” Aquele “corajoso(a)” voltava correndo e apavorado(a) e para nós não havia nada mais divertido. Ríamos tanto que às vezes os mais novos até faziam xixi na cama. Não importava quantas vezes se repetia a tal cena, em cada uma delas nos deliciávamos como se fosse a primeira vez.
Como era bela aquela inocência que tínhamos e como era simples nos agradar. Os filmes na TV ou a internet com todos os seus recursos não conseguem reproduzir aquela sensação, pois hoje as crianças assistem cenas de terror, que frequentemente fazem parte do cotidiano, da sua realidade e ai os capetinhas em geral são reais. Dos meus pais e daqueles momentos de entretenimento, onde ingênuas estorinhas de terror que viravam brincadeiras de criança, da proximidade deles e do aconchego de família, ai que saudades!
Celêdian Assis – Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada pela autora através de e-mail de 16/10/2011
3 comentários:
As reminiscêncais de Celêdian Assis nos leva as nossas. Faz um bem danado carregar esse peso leve, não nos ombros e sim na alma. Bela crônica, parabéns a autora.
Obrigada Carlos, é um prazer estar aqui junto a outros autores, sabidamente, excelentes cronistas, poetas, contadores de "causos".
Obrigada pela sua apreciação ao meu texto.
Um abraço.
Adoro essas histórias reais. No meu tempo tambem era o nosso progama noturno, ouvir histórias de assombração.Conceição Gomes
Postar um comentário