Tal e qual Nogueira, o estudante ainda metido na adolescência, que saíra de Mangaratiba para estudar no Rio de Janeiro, lá pelos anos 1860 e experimentou um inesquecível encontro, eu também vivi, exatamente na noite do Natal de 1958 algo semelhante.
Aconteceu na cidadezinha em que nasci, no interior das Alagoas, cujo nome prefiro omitir. Ainda iluminação pública regular, mas, como era noite de Natal, foi acionado um motor a óleo diesel e suas poucas ruas ficaram parcamente clareadas pela primeira vez, o que já tornaria aquela noite inesquecível. Órfão, eu morava com minha avó materna e esta tinha o costume de oferecer aos vizinhos parte das guloseimas que ela preparava para a ceia da própria família.
Na casa de frente à havia chegado uma senhora de 35 ou 36 anos de idade, que tinha enviuvado naquele ano e passava dificuldades com seus três filhos pequeninos, já que seu marido não lhe deixou nada além da prole.
Pouco antes da Missa do Galo fui destacado pela minha avó para levar um bolo à casa da viúva.
Devidamente paramentado para a ocasião da Missa do Galo bati à porta e ouvi a voz da dona da casa mandando que entrasse. Entrei e me detive na sala simples, sem saber se ficava em pé ou sentava, já que ela estava ninando uma das crianças. Com um sinal de silêncio, mandou que eu sentasse. Prontamente obedeci, enquanto ela levava o menino para o quarto. Minutos depois ela voltou e aí percebi a beleza de seu rosto branco, ornado por longos e espessos cabelos negros, perfeitamente divididos numa linha reta sobre a cabeça. Disse eu me lembro perfeitamente, já que, passado tanto tempo, faço confusão a respeito do acontecido e, às vezes, até acredito que minha imaginação de velho é muito mais fértil que meus olhos de menino.
Ela tinha uma pele delicada e seus lábios tinham uma leve pintura rosa. Aproximou-se, pegou o bolo e, sorrindo, disse que minha avó não precisava ter tido esse incomodo, mas agradecia, até mesmo porque não tivera tempo de fazer nada para cear, já que os três meninos andavam gripados. Pôs o bolo sobre a toalha branca da mesa, partiu uma fatia para mim e outra para ela. Sentou-se ao meu lado. Hoje fico, realmente, confuso se a perna dela tocou a minha ou se ela pôs uma mão sobre a minha coxa ou se nada disto aconteceu. O fato é que, embaraçado com sua proximidade terminei por derrubar o bolo sobre minha camisa. Menino! Repreendeu ela com graça e disse que eu precisava limpar a camisa, senão ficaria manchada. Segurando-me pela mão direita me levou para a cozinha, pegou um pano molhado e começou a retirar a mancha, mas, como não saia fácil mandou que eu fosse ao banheiro, tirasse a camisa e lhe entregasse pela porta. Dentro do banheiro ouvia as batidas do meu próprio coração, mas consegui retirar a peça e entreguei pela porta entreaberta. Logo depois ela disse que tinha retirado a mancha e me devolveu a blusa, da mesma forma. Vesti-me e quando sai do banheiro ela se aproximou, passou a mão sobre o meu peito e disse que tinha ficado bom.
Depois mandou que eu fosse embora, pois já estava tarde e eu terminaria por perder a missa.
Na igreja, vi seu rosto em outras mulheres e quase não conseguia acompanhar a celebração, o que, também, credito aos meus dezesseis anos.
Dias depois, ela voltou para União dos Palmares, para morar na casa de seus pais, levando apenas seus filhos e a pequena mobília.
Esta é a lembrança mais persistente que tenho do Natal, passado esses cinqüenta e poucos anos.
Autor: Augusto N Sampaio Angelim - São Bento do Una/PE
Página do autor: http://recantodasletras.com.br/autor.php?id=29657
Publicação autorizada através de e-mail de 27/12/2011
Página do autor: http://recantodasletras.com.br/autor.php?id=29657
Publicação autorizada através de e-mail de 27/12/2011
5 comentários:
Gostei muito do conto. Pela singularidade e pela mão de ouro com qual foi feita. Parabéns Augusto Angelim pela sua fantasia de natal.
Os Homens e suas fantasias! Desde pequenos só pensam em sexo! rsrsrsr. Adorei! Augusto, faz outras assim. beijos
Gosto muito desse estilo
maneiro. Zélia Dourado
Olha Angelim, todo e qualquer menino tem suas história, seja vividas ou inventadas, o que falta à maioria é a capacidade de traduzir no papel. Aconteceu na missa do galo é um texto gostos e o amigo merece meu respeito pelo que vai representar e acrescentar na vida de muitos homens barbados de hoje. Quem ler um texto assim revive o seu tempo e certamente se torna alguém melhor.
Ontem participei de uma queima de lapinha. Lá, todo mundo atirando seus pedidos. Interessante como todos levavam aquilo a sério. Enfim, são lembranças assim que um dia falaremos. Parabéns Augusto Angelim pela sua lembrança: Aconteceu na noite da missa do galo.
Postar um comentário