sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Saga da família Mendes

Autora: Maith

Quando Celestino Mendes, pela primeira vez comentou com a esposa que a Estrada de Ferro havia concluído mais um trecho, estava entrando sertão adentro levando o progresso para uma região até então pouco populosa e quase desconhecida, ela não esperava que ele estivesse pensando em aventurar-se para além da Serra levando todo o dinheiro que tinham para investir em hipotéticos negócios fantásticos.
Mas foi exatamente o que ele fez. Dias depois comunicou que estava decidido a partir e que já convidara algumas pessoas para trabalhar com ele.
Celestino era um cinquentão. Tinha do primeiro casamento, um filho casado e uma filha mocinha. Carmela sua segunda esposa era pouco mais velha que a enteada e esperava o primeiro filho.
Ficou apavorada:
— Como é que eu posso ir para um lugar desses, neste estado... Eu tenho medo...
— Você fica com sua mãe até o bebê nascer. Enquanto isso eu ajeito tudo por lá. Vai ser uma maravilha! Você vai ver. Será por pouco tempo. Ganharemos muito dinheiro e voltaremos ricos de fazer inveja, você vai ver.
— E quem você vai levar para trabalhar com você?
— O Carlos (filho), o Moacir (pretendente da filha) e o Dráuzio, um amigo.
— E eles vão levar as famílias?
— Claro que sim.
Carmela sabia que não adiantava teimar com o Celestino. Só esperava que ele se decepcionasse logo e, quem sabe ela nem chegaria a ir para lá.
Mas o Celestino encantou-se com a região. Era deveras promissora. Terras muito boas e baratas, muita madeira de lei, coisa para ficar rico em pouco tempo.
E Carmela pela primeira vez em sua vida, saiu de sua cidade para uma longa viagem de trem com a filhinha recém-nascida o marido sonhador e uma grande apreensão. Que iria encontrar naquele fim de mundo?
Tudo era muito diferente do que ela conhecia. A cidadezinha estava se formando, as primeiras casas sendo construídas. Casas de madeira, muito simples, o mínimo necessário para abrigar-se. Ninguém queria gastar em conforto, pois o que desejavam era comprar terras, investir em negócios que pareciam promissores, ganhar muito dinheiro e voltar para a civilização, muito ricos.
Carmela procurou fazer amizades e amenizar o descontentamento. A esperança de um dia voltar para sua cidade como Celestino prometera ajudava a superar as dificuldades e tudo que mais desejava era dar à família o máximo de bem estar possível. 
Célia a filha mocinha estava feliz, pois o pai trouxera com eles o Moacir que por enquanto era seu empregado, mas que em breve seria da família, pois os dois se casariam e seriam muito felizes. Pelo menos era isso que Célia esperava.
Carlos acreditava que o pai fosse o mais esperto empresário do Mundo e o acompanhava em todos seus empreendimentos, mas sua vida familiar estava abalada, pois Ruth, a esposa, não queria morar naquele fim de mundo e os dois brigavam muito.
A esposa de Dráuzio também estava descontente. Tinham três filhos pequenos e a falta de conforto na cidade a preocupava muito.
Mas a cidade aumentava a olhos vistos. Dia a dia novas empresas se abriam, grandes indústrias se instalavam oferecendo trabalho a muita gente que não parava de chegar.
A Igreja Matriz foi levantada em uma bela praça onde a noite as pessoas se reuniam para conversar, ouvir música enquanto as crianças brincavam por ali.
E havia ainda o Clube onde todos os fins de semana havia reuniões dançantes, e assim, pouco a pouco a vida tornou-se mais amena e divertida.
Foram duas décadas de progresso, mas depois veio a guerra, a economia do país estava abalada e a cidade começou a sentir as consequências.
A cada dia mais estabelecimentos comerciais fechavam suas portas, indústrias faliam e fortunas se dissolviam no nada.
Quando a Estrada de Ferro, já então deficitária desativou o trecho que servia a região, o acesso pelas más estradas tornou-se difícil e até impossível nas épocas de mau tempo.
Com isso, os últimos moradores foram abandonando a cidade, mas Celestino, teimoso, insistia em continuar ali dizendo acreditar que os dias gloriosos voltariam. Aproveitando da situação, foi adquirindo por preços irrisórios as propriedades, uma a uma até que chegou o dia em que ele era o único dono de todo aquele enorme e inútil filão de terra.
Carlos e Dráuzio voltaram para a Capital com suas famílias assim que a crise começou.
Moacir que durante todos aqueles anos enrolou a Célia com promessas de um casamento que nunca se realizava também foi tentar a vida em outro lugar prometendo que em breve voltaria para casar, mas nunca mais voltou.
A outra garota teve mais sorte. Um jovem médico que viera clinicar na cidade, ainda nos áureos tempos, apaixonou-se por ela. Casaram e pouco depois foram morar em outra cidade.
Célia esperou em vão que o namorado cumprisse a promessa feita. Perdera com ele a virgindade e naquele tempo isso era empecilho para que outro homem a aceitasse em casamento. Acabar a vida só era sua sina, por mais que não desejasse isso.
E ficaram os três na velha casa de madeira, cada vez mais decadente, vivendo pobremente com o muito pouco que conseguiam ganhar, tentando em vão alimentar o sonho de que um dia tudo poderia melhorar.
Carmela ainda achava que deviam voltar para a cidade, arranjar um emprego, viver como pudessem, mas Celestino era orgulhoso e nunca voltaria pobre e fracassado para encontrar os parentes e amigos que deixara com tanta esperança de progresso.
Até que um dia aquilo aconteceu.
Um temporal nunca visto na região desabou, a encosta do morro desabou e praticamente toda a cidade ficou soterrada. Perderam o pouco que lhes restava e foram recolhidos pela Assistência Social e encaminhados para um asilo, pois já não tinham condição de manter-se. E assim terminaram seus dias, o orgulhoso Celestino, sua amorável mulher e sua desventurada filha.



Autora: Maith - Sorocaba/SP


Publicação autorizada pela autora

3 comentários:

Anônimo disse...

Muitos arriscam tudo nesta aventura da ambição por uma vida melhor, mas nem sempre têm a sorte a lhes sorrir. Conto que conta um pouco desta aventura e instiga pela vontade de querer saber o que reserva o final da história. Parabéns ao autor, ou autora. Marina Alves.

Helena Frenzel disse...

Pois é, sair da zona de conforto é sempre difícil, mesmo assim ainda é melhor tentar e quebrar a cara do que passar toda a vida só pensando "no que seria se...", não? Saudações ao autor ou à autora. :-)

Maria Mineira disse...

Outra versão muito bem escrita sobre o tema do concurso! Gostei! Parabéns a quem escreveu a história!