sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Louco do Cedro


Autor: Geraldo Rodrix

Às vezes me sinto como Mefibosete vagando por uma Lo-Debar espectral. No final da tarde e do arrebol, quando a pouca luz começa a ser tragada pelas sombras, eu vago pelas ruas desertas do Cedro e me encontro com cortejos fantasmagóricos, formado por pessoas que já se foram a muito tempo. Os olhares silenciosos que esses espectros me lançam, costumam gelar meu sangue. Sou prisioneiro de uma cidade morta e seus fantasmas.
O Cedro já foi um lugar cheio de vida e prosperidade. As ruas eram cheias, os comerciantes enchiam suas gavetas com o vil metal, suas festas idólatras eram famosas e duravam dias, a opulência da velha igreja, mesmo em total abandono, mostram isso, sacos e sacos de dinheiro eram levados daqui pelos padres e bispos que vinham ao lugar. O sagrado e o profano se misturavam em uma amálgama de espiritualidade e prazer carnal. Mocinhas perdiam a sua pureza, doentes alcançavam milagres, os escamoteadores conseguiam seu butim, homens afeminados saciavam sua lascívia e a fama dessas festas corria longe. Por muito menos Deus destruiu Sodoma e Gomorra...
Havia a promessa de um futuro ainda mais grandioso e que não se cumpriu. As casas abandonadas, a velha e opulenta igreja, o prédio da escola, o antigo posto de gasolina e os sobrados com suas aroeiras, que parecem indestrutíveis, todos de portas e janelas abertas, parecem convidar os demônios a entrarem e tomarem posse do lugar.  Quando caminho nas horas mortas, sinto seus olhos me observarem, ficam inquietos e tenho certeza que pretendem tragar a minha alma. Olhos famintos... Em certas épocas, quando começa a seca e o calor infernal do sertão dá lugar ao frio cortante, eles se agitam e fazem loucas danças, se lançam pelo espaço, feito um vento amaldiçoado, dançam ao som de flautas incendiárias, festas infernais...
Quando chega a noite, as suindaras e os morcegos deixam as casas abandonadas e se lançam na escuridão da noite, animais selvagens vagam por entre as construções desoladas e cheias de mato, devorando uns aos outros. Quando encontro-os vagando como eu pelas ruas escuras, não fazem conta de mim, como se eu já não existisse, ou como se eu fosse um deles.
Na maior parte do tempo esqueço de me alimentar, não sinto fome ou frio, nem cansaço, só dor, uma dor que não passa e que parece ser causada por solidão, melancolia, saudade e opressão. As poucas pessoas que passam por aqui se dirigem a mim, não consigo me comunicar, não as compreendo, falam sempre de coisas que eu não consigo mais atinar. Algumas vezes perguntam por pessoas que viviam aqui no Cedro, lembro-me de todos, de alguns que nem eram de meu tempo. Conheço-os, todos. Os moradores que moram aqui por perto, pouco se dirigem a mim, dizem que fiquei doido, me chamam o Louco...
O Cedro morreu, assim como as pessoas morrem. Uns dias estão cheios de vida, ela flui por todas as partes, como se nunca fosse acabar, fluindo, interagido, se renovando e então... Chega o fim. O fluxo é interrompido, a noção do tempo se acaba, tudo que foi construído, que cresceu até ali no processo da vida é interrompido e começa a se decompor. Vejo no fundo de minhas retinas, até os átomos morrem...
O Cedro morreu as pessoas cheias de vida, não habitam em cidades mortas, elas partem em busca de lugares vivos, seguem o fluxo. Virei o guardião de uma cidade morta, o Cedro espera por um Hiel que sacrifique o seu primogênito Abirão e seu caçula Segube. Eu não os tenho e se tivesse, não desobedeceria ao Deus de Israel. Fico aquiem quanto Deus quiser, depois seguirei o caminho eterno. Deixarei que o Cedro desapareça sob o céu e até a sua lembrança desaparecerá, deixando uma dúvida às gerações futuras, tal qual Atlântida o grande continente, que foi sugada pelo mar e pelo tempo...

Autor: Geraldo Rodrix - Urucuia/MG


 

3 comentários:

Maria Mineira disse...

Solidão, loucura, e até um filosofar solitário.Ficou diferente, mas sem dúvida muito criativo. Parabéns ao autor ou autora!

Anônimo disse...

De todas as loucuras a pior é crer na lucidez. Com uma boa dose de loucura, o Louco deixou seu recado, muito bem dado por sinal. O Cedro oscilando às raias da imaginação. Parabéns! Marina Alves.

Helena Frenzel disse...

Por vezes a loucura é o ápice da sabedoria humana. Texto interessante, parabéns!