Autor: Alberto Vasconcelos
Sentado na espreguiçadeira de lona o velho Zé Ferreira contemplava, com os olhos tristes, as folhas secas da mataria sendo levadas pelo vento, deixando o rastro de som das folhas em contato com o barro seco da estradinha.
Sentado na espreguiçadeira de lona o velho Zé Ferreira contemplava, com os olhos tristes, as folhas secas da mataria sendo levadas pelo vento, deixando o rastro de som das folhas em contato com o barro seco da estradinha.
Era
grande, muito grande a diferença dos dias de antigamente quando Serro Azul era
parada obrigatória para todos, tropeiros e caixeiros viajantes, que seguiam, da
capital ou de outra cidade mais importante, em direção ao sertão brabo naquele
interiorzão seco e carente.
Pelo
menos uma vez por semana o pessoal se reunia na casa de farinha para o trabalho
que varava a noite e, de madrugada, os carros de boi, as carroças ou os
cambiteiros levavam os beijus e as sacas de farinha para serem vendidas nas
feiras.
- tantas
sacas de farinha fina, com goma, para seu fulano;
- tantas
sacas de farinha quebradinha, sem goma, para beltrano;
- tantas
sacas de farinha torrada, no ponto, para sicrano...
As
conversas dos homens interrompidas, vez em quando, para um gole de aguardente...
As
mulheres cantando, às vezes músicas de época, às vezes rezas de devoção...
As
crianças, que ainda não tinham idade para a lida, brincando com os bois de
barro ou as bruxas de pano.
Nos
finais de semana, a igreja lotada para assistir a missa, batizar os
bruguelinhos e as visitas dos compadres e amigos, dos sítios, que vinham para a
rua comprar de um tudo.
A varanda
da casa de seu Zé Ferreira, bem mais alta que o leito da rua, toda lajeada com
tijolos vermelhos, servia de vitrine para os produtos do mangaieiro Nonato.
Era faca,
punhal, tesoura, freio para animal de carroça, panela de barro, raspa coco,
grelha, alcoviteiro de flandres, tiras de couro curtido, fivela, enxada,
ciscador, estrovenga... o diacho.
Dr. Raiz
armava sua mesinha bem na porta da escola de dona Amélia.
Tinha
remédio para todas as doenças...
Banha de
peixe-boi e de peixe elétrico diretamente do Amazonas, sebo de carneiro capado,
bage de jucá, mel de uruçu, carqueja, imburana de cheiro, extrato de arnica
para curar cortes e de aroeira para curar inflamação e as milagrosas garrafadas
que curavam de tosse seca até impotência sexual de homem velho.
Mas o
tempo passou, os animais foram substituídos pelos caminhões e depois das
marinetes e das sopas, ninguém mais viajava em lombo de burro.
Por sua
falta de importância, Serro Azul deixou de ser parada obrigatória, o dinheiro
sumiu do comércio, a feira foi minguando até desaparecer completamente, a
farinha passou a ser importada da Bahia, as pessoas se mudaram e as intempéries
se encarregaram de arruinar as casas, a igreja, a casa de farinha, a estrada, a
vida dos que insistiram de ficar...
Autor: Alberto Vasconcelos - Recife/PE
Autor: Alberto Vasconcelos - Recife/PE
GLOSSÁRIO:
Alcoviteiro
= espécie de lamparina.
Bage =
vagem
Bruguelinho
= criancinha
Bruxas de
pano = bonecas artesanais vendidas em
feira.
Cambiteiro
= pessoa que trabalha com o cambito, parte da cangalha destinada a prender
cargas.
Cangalha
= espécie de sela para transporte de mercadorias.
Mangaieiro
= mangalheiro/ vendedor de mangalhos, miudezas.
Marinete =
caminhonete para transporte de passageiros com carroceria de madeira.
Sopas =
ônibus de viagem.
Uruçu
= espécie de abelha nativa, (Melipona scutellaris)
5 comentários:
Esse autor tem grande conhecimento dos costumes das falas regionais nordestinas e teve a preocupação de repassar ao leitor o seu significado. Isso só valorizou a história. Gostei muito! parabéns!
Um pedaço do Nordeste por aqui, com toda a riqueza de seus costumes e linguagem regional. A glória e decadência do lugarejo em cena, muito bem caracterizadas. Parabéns! Marina Alves.
Garrafadas milagrosas dessas que curam tudo, bem conheço! Continuando a descrição de Serro Azul :-)
Já conhecia o estilo em Encantadores de Histórias e adorei mais esse conto. Parabéns ao autor! Chila Alves
Me lembram os tempos de criança em Igarapé Açu de Cima, povoado perto de Irituia, onde nasci. Meu tinha um pequeno comercio onde ocorriam vendas e trocas de mercadoria. Bosn e saudosos tempos. Conceição Gomes;
Postar um comentário