Autor: Jailson Vital
A minha família se mudou para outra cidade e eu mudei de lugar de
estudo, deixando de trafegar naquele trecho de estrada. Muitos anos se passaram
e quando voltei a passar por aquela estrada, agora asfaltada, ao passar em
frente a Escondido, tomei um susto. A minha impressão era que havia explodido
no lugarejo, bombas do tipo jogadas por aviões durante a 2ª guerra mundial.
Todas as construções estavam arrasadas. Apenas algumas paredes de algumas
construções restavam de pé. Distinguiam-se as duas colunas do posto de
combustíveis, que ainda sustentavam uma laje e uma parede, dando a impressão de
uma cadeira gigante, a parede frontal do Bar e Restaurante Catimbau, com a sua
inscrição em letras vermelhas e as paredes da igreja com suas portas altas,
onde parte da estória que eu vou lhes contar aconteceu.
Novas indagações agora me assaltavam. – O que poderia ter acontecido?
Por que o povoado foi arrasado desse jeito? Aquela situação me interessou e
procurei saber de antigos moradores e autoridades do município sede, o que aconteceu
para que essa desgraça acontecesse e então ouvi os relatos que passo a lhes
contar com as tintas com que me foram pintadas. A cultura do caroá começou a
declinar, devido à substituição dessa planta por outras mais fáceis de cultivar
e mais econômicas, como o agave e a juta, além da entrada no mercado, do nylon,
uma fibra derivada do petróleo, que era importada dos Estados Unidos. Com isso,
o proprietário das terras onde se cultivava o caroá e da unidade beneficiadora,
demitiu os empregados, fechou a beneficiadora, abandonou a casa grande e
avarandada onde morava e foi embora para o Rio de Janeiro, segundo relatos.
Falam também que ele, nem nenhum parente jamais voltou para Escondido, entrando
a casa em degradação contínua. Dos empregados demitidos, parte também foi
embora e a outra parte tentou negociar o caroá que ficara na plantação ou
aproveitaram a terra abandonada para outras culturas.
Passados alguns anos, o povoado de Escondido ainda resistia ao abandono,
quando aconteceu um fato intrigante. Um dia de verão e promissor calor, a casa
grande que estava abandonada e completamente desgastada, amanheceu reformada e
pintada em cores vivas, sem que ninguém tivesse visto ou ouvido qualquer
barulho devido à reforma. E olha que seria necessário um batalhão de
trabalhadores para fazer esse serviço em uma única noite. É claro que toda a
comunidade acorreu à casa para ver o inusitado, e mil hipóteses povoaram
as cabeças daquela gente humilde. No dia seguinte, novo mistério viria a agitar
ainda mais a vida daquele povoado. Do ônibus que vinha do Recife, desceu uma
figura bizarra. Uma mulher alta, de quadril e peitos avantajados, vestindo uma
calça preta colante, blusa colorida, um lenço vermelho amarrado na cabeça,
brincos longos descendo das orelhas e metade do antebraço esquerdo coberto por
pulseiras circulares de metal. Nos dedos todos, anéis dourados e prateados
completavam aquele personagem vindo talvez de algum bando de ciganos. Junto com
ela desembarcou a sua bagagem. Um baú preto, medindo aproximadamente 1 metro de
comprimento, por 50 centímetros de largura e altura e tinha duas alças nas
laterais do comprimento. Era usual bandos de meninos cercarem o ônibus quando
este parava, à procura de vender aos passageiros que seguiam viagem, pastéis,
tapioca, milho assado, cocadas, e também os garotos maiores que disputavam para
levar a bagagem dos passageiros que chegavam. Nesse caso do baú de Dona
Zoráide, era esse o nome da figura, os garotos olhavam para o baú e se
entreolhavam para ver quem se atrevia a candidatar-se a levar aquele trambolho.
Para surpresa de todos, Dona Zoráide segurou em uma das alças, levantou um lado
deixando a quina oposta do baú encostada no chão e com facilidade arrastou-o na
direção da casa grande recém reformada. A meninada seguia-a admirada, pois o
baú não deixava nenhum rastro no chão, nem fazia nenhum barulho ao ser
arrastado. Seguia aquela procissão circense povoado à dentro quando de repente,
ela parou e voltando-se olhou com os olhos esbugalhados para a meninada, que
incontinente debandou para todo lado gritando apavorados, contando em
casa, ofegantes, que tinham visto o cão. A chegada de personagem tão
diferente agitou a pequena comunidade. -Quem seria ela? Seria parente do dono
da casa? O que tinha vindo fazer em Escondido? -Passada uma semana de
reclusão e de curiosidade, Zoraide chamou um menino, que a custo, ou melhor,
que a bom pagamento concordou em distribuir um panfleto onde estava
escrito: Madame Zoraide – Revela o passado o presente e o futuro – traz
seu amor de volta – esquenta seu relacionamento – trabalho garantido. -Mas
o que quereria uma vidente fazer numa comunidade tão pequena e unida? Mais um
mistério. Passam-se duas semanas, e como nada aconteceu, as pessoas começam a
acostumar-se com a presença daquela “cigana” na casa grande. Logo, uma primeira
candidata resolve experimentar os serviços da dona Zoráide e comparece uma,
duas, três e mais sessões na casa dela. Enquanto isso, alguns fenômenos
acontecem: choveu abundante em toda a região, menos exatamente sobre o quadrilátero
que as residências do povoado formavam. Na frente voltada para a estrada, a
chuva caía da metade da estrada para fora. Estranhos redemoinhos rodavam entre
as casas e observando-se bem dava a impressão de que tinha uma pessoa girando
dentro dele. Em uma sexta feira de sol escaldante, meio dia em ponto, nenhuma
nuvem no céu, uma sombra cobre só e exatamente a região de Escondido.
Antigamente a calmaria e o silêncio reinavam nas madrugadas. Agora, cachorros
latiam em bandos correndo atrás de alguma coisa. A primeira cliente da
“cigana”, aparentemente gostou do resultado das sessões e logo trouxe mais
outra e mais outra. As três pouco tempo depois levaram seus maridos e passavam
as noites por lá. Não se sabia bem quais eram os problemas dos mesmos. O que se
sabe é que os seus maridos logo após as primeiras sessões pareceram mais
felizes, para em pouco tempo aparentarem desânimo e fraqueza. Os mexericos
começaram a andar de boca a ouvido no povoado. As pessoas mais velhas diziam
que Zoráide não era cigana coisa nenhuma aquilo era o coisa ruim. Numa dessas
madrugadas ouviu-se na casa grande um alarido danado, um chororô, pedido de
socorro e valha-me Deus. De repente a porta abriu-se e de lá de dentro
apareceram os três casais completamente nús. Correram para o pátio da
igreja, esmurrando a porta, pedindo para abrirem. Todos, homens, mulheres
e crianças presentes no povoado correram para ver o que estava acontecendo.
Alguém lembrou que na cidade vizinha estava um velho frade que pregava as
santas missões na região, que era bom ir buscá-lo. Dito e feito. Em pouco
tempo, o frade já informado dos acontecimentos, entrou na igreja com toda a
população presente. Os casais saídos da casa grande, já vestidos, só
sabiam dizer que tinham visto o cão. Fechadas as portas e janelas da igreja, o
velho frade começou a rezar orações de exorcismo, acompanhadas por cânticos que
todos cantavam com todas as forças para afugentar o medo. Do lado de fora uma
zoada se inicia, com uma batida de zabumba e triângulo e um fole de 8 baixos
puxado e encolhido sem ritmo definido. Outra barulheira se inicia com sons de
matraca, berros de bode e toques de trombone, nas alturas que vocês podem
imaginar. Uma algazarra contornava a igreja rodando no sentido horário e a
outra no sentido anti-horário. Quando se encontravam atrás e na frente da
igreja a barulheira era infernal. Do lado de dentro as crianças se agarravam
aos pais, os cânticos aumentavam de intensidade tentando abafar aquela latumia
toda. Tome cântico e tome reza, durante uma meia hora, até que a barulheira lá
fora serenou. Dentro da igreja, os cânticos continuaram durante toda a
madrugada, porém, agora, de maneira harmônica e na altura conveniente. Ninguém
se aventurava a abrir a porta da igreja para saber o que estava acontecendo. Quando
o dia amanheceu, o velho frade abriu a porta, bem devagar e o que viu foram os
instrumentos largados no chão. As pessoas começaram a sair e voltar para
suas casas agarradas nas mãos uns dos outros. Alguns arriscavam dar uma
olhadela para os lados da casa grande, e o que viam era estarrecedor. Como por
encanto a casa tinha voltado ao seu estado anterior de abandono. Desgastada,
alpendre destelhado as portas e janelas, todas abertas e a casa aparentemente
vazia. Nesse mesmo dia, todas as pessoas de Escondido foram indo embora, muitas
deixando seus pertences para trás. No dia seguinte, não havia uma só pessoa
morando no povoado.
Algum
tempo depois, algumas pessoas se reuniram para fazerem uma vistoria nas casas
para recuperar alguma coisa de valor ou valor sentimental. Ao entrarem no
Restaurante Catimbau viram que o maldito, travestido de mulher tinha deixado na
parede, uma pintura representativa do que acontecia nas sessões e naquela
terrível noite na casa grande. Tiraram uma foto que aqui reproduzo, como prova
de que tudo que aconteceu foi verdade.
Autor - Jailson Vital - Custódia/PE
Ilustração: Edmar Sales - Custódia/PE
3 comentários:
Criativo, muito bem escrito, muito bom (também a foto de prova no final he he he) Parabéns ao autor ou à autora. Saudações letripulistas, até!
A bizarra figura descendo do ônibus, arrastando um baú que não fazia barulho e nem deixava marcas no chão foi bastante convincente pra deixar qualquer imaginação a mil rsrs... A pintura na parede também. Parabéns ao autor ou autora. Valeu!! Marina Alves.
Esse aí contou a história e ainda ilustrou com a foto! Ficou muito bom! Parabéns ao autor ou autora!
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