Autor: Geraldinho do Engenho
-- O
objetivo desta minha prosa era descobrir o motivo que levou a população, a
abandonar um prospero povoado no sertão pernambucano, situado a margem da BR
232. O conheci através do milagre da internet, cujas imagens de suas ruínas, me
foram repassadas pelo amigo Carlos Lopes, um pernambucano preocupado com as
questões socioculturais dos seus conterrâneos. Carlos Lopes é um ícone da
cultura brasileira.
O
vilarejo em questão tem um nome que de certa forma é até pitoresco:
(Salto da Rã) copiado de uma grande propriedade, que leva o mesmo nome, local
onde um trágico acontecimento ocasionou o abandono e ruína deste povoado, que
teve tudo para se tornar uma grande e prospera cidade. Segundo a narrativa de
um retirante ex-habitante do local, que o acaso colocou em meu caminho
ocasionalmente quando jogávamos conversa fora. Retirante este que se
tornou jornalista. Segundo sua narrativa, tudo começou com o dinamismo de
um prospero fazendeiro cheio de boas intenções.
Salto da
Rã é o nome desta sua fazenda, que foi muito produtiva, com vastas áreas em
lavouras de subsistência e pastoris, com um volumoso plantel de animais. Muitos
empregados. Seu proprietário um homem bom de grande coração. Em contra partida
a esposa era o demônio em pessoa. Quem mais sofria com a situação era a
cozinheira da casa grande, que teria que conviver com ela, por quase vinte
quatro horas por dia.
Viúva mãe
de um filho único, cujo pai morrera acidentalmente vitimado por uma descarga
elétrica, provocada por um raio. Neco seu filho, tinha a mesma idade de Juarez
filho dos patrões. Sempre juntos, eram como carne e unha, inseparáveis.
Correndo como dois vitelos no vigor de sua puberdade. Os dois garotos viviam
uma infância feliz, o único empecilho era a patroa que nutria um ódio violento
pelo filho da cozinheira. O riozinho que cortava a fazenda ao meio, aonde as
arvore desenhavam formas variadas sombreando suas margens, era o local
preferido dos dois amigos, que todos os dias, corriam a deliciarem o frescor de
suas águas puras e cristalinas. Que rolavam numa ânsia de mar doce, absorvendo
o límpido azul do infinito espelhado em seu leito de forma exuberante,
contracenando com o malabarismo do cardume de lambaris, que disputava cada
inseto e cada frutinha que o vento lhes atirava roubadas na bela paisagem.
Seu
Joaquim optou pelo cultivo do curoá, foi bem sucedido e decidiu montar uma
grande fabrica de beneficiamento desse produto, suas lavouras se expandiram,
gerando centenas de empregos, houve uma significativa melhoria de vida para o
sofrido sertanejo nordestino, que em sua maioria derramava seu suor, sem obter
sucesso tentando a vida na garimpagem. Com o seu empreendimento Seu patrimônio
cresceu e a fábrica também, exigindo mais expansão no cultivo do caroá, que com
o tempo foi substituído pelo agave e o sisal. Generoso seu Joaquim foi dando
oportunidade aos seus empregados com a participação nos lucros de sua empresa.
Não tardou e uma pequena vila se formou. Poderia ter vindo a ser uma
cidade cuja fábrica, foi à semente lançada por seu proprietário à margem
daquela rodagem de terra que dava acesso ao Recife. O povoado já contava mais
de cem almas, que conviviam em paz e harmonia.
Associados
ao seu Joaquim montaram restaurante, hospedaria, posto de gasolina, até
veículo, chegou a ser comercializado. Uma feira livre onde se vendia de tudo
que a população consumia, também atuou com sucesso. A escola que antes
funcionava na sede da fazenda, para maior comodidade dos habitantes, foi
transferida para a vila, tudo isso patrocinado por aquele homem de coração de
ouro. Que preocupado com o lado espiritual do seu semelhante construiu um belo
templo católico, aonde foi consagrado como padroeiro do vilarejo, (São Joaquim)
a pedido dos habitantes, uma forma carinhosa de homenagear o fazendeiro pelos
benefícios a eles proporcionados. Com o mesmo nome de sua fazenda (Salto da
Rã). Tudo ali corria bem com prosperidade e desenvolvimento. Mas infelizmente
os inocentes pagam, pelos pecadores. A maldade de Bárbara esposa do fazendeiro
jogou o destino contra ela própria, e contra todos que dali tirava seu
sustento.
Pelo
patrão Néco poderia acompanhar a mãe vivendo Junto á ela na cozinha da fazenda.
Mas perante o radicalismo da esposa nem cogitava tal fato. Alem de má era
invejosa ao extremo, o ódio pelo filho da empregada, aumentava a cada dia, se
quer ela permitia, a ele, se aproximar da mãe no trabalho. Os míseros trocados
recebidos pela cozinheira mal davam para vestir e alimentar o filho.
Quando o
alvor da aurora manchava de escarlate o horizonte, a pobre cozinheira beijava
seu filho e rumava para o trabalho voltando altas horas da noite, sempre de
mãos vazias. Toda alimentação que generosamente o patrão liberava para ela
levar ao garoto, a patroa tomava em suas próprias mãos e atirava aos cães da
fazenda. A pobre mulher se lamentava, rogava a Deus por dias melhores, e ainda
assim agradecia por estar viva. Esperançosa não se abalava em sua
fé. Quanto mais ela tentava afastar o filho do amigo, mais crescia a
amizade entre ambos.
Neco
apesar de mal alimentado tendo que completar sua refeição, com as frutas de
época, e de sua pequena horta doméstica que ele mesmo cultivava, tornava-se a
cada dia mais robusto. Enquanto Juarez acometido por problemas respiratórios se
definhava, Neco com seu vigor causava inveja à patroa. Um incontrolável desejo
de vingança foi aos poucos hospedando o coração da víbora. Como se Néco fora
culpado pela moléstia do seu filho. Periciado pela mãe Juarez, foi
terminantemente proibido de aproximar do amigo.
Juntos
freqüentavam a escola, com a víbora monitorando o horário de sua chegada. Mas a
amizade entre ambos só não era maior que o ódio da bruxa malvada. Ao término da
aula, em cujo povoado ficava a três quilômetros da fazenda; Juarez passava á
casa do amigo só chegando à sua casa à noite. Aumentando assim Ira da mãe.
Certo dia fora ela ao encontro do filho. Assustado Neco quis fugir. Fingindo
amabilidade ela o convenceu a seguirem juntos, dizendo estar arrependida de seu
comportamento. Que a partir daquele momento queria ver seu filho feliz. E que
por serem tão amigos Néco aguardasse, Juarez iria com a mãe até a casa, e lhe
traria um bom pedaço de bolo, como prova de sua reconciliação.
Feliz,
Neco aguardava em seu pobre casebre pela volta do amigo, enquanto isso fazia
seu dever escolar, não redava os olhos da estrada na expectativa pela volta do
amigo com o bolo prometido por Bárbara. De volta ao casebre, Juarez faminto,
era tentado pelo cheiro do bolo, afinal desde manhã não se alimentava, mas
aquele era do amigo conforme recomendação da mãe. O seu estava reservado quando
voltasse. Acabou não resistindo, imaginando que com certeza, o amigo dividiria
com ele aquele delicioso petisco com o maior prazer. Começou por uma
biliscadinha aqui, outra ali, de repente metade do bolo tinha sido devorada.
Já
preocupado com a demora do amigo, Néco permanecia com os olhos voltados para a
trilha que ligava seu casebre à fazenda, mas nada do amigo. A tarde caía rápida
coberta por um intenso nevoeiro. Preocupada com a demora, a mãe saiu à procura
do filho encontrando-o pela metade do caminho, caído sobre a faisqueira do
bolo, espalhadas pela trilha. O mortífero veneno destinado ao amigo dera cabo
de sua vida. Completamente louca, a patroa foi internada pelo marido em um
hospício em Recife. Vindo a falecer meses após, clamando pelo nome do filho.
Seus restos mortais foram transladados para o vilarejo, onde ela foi
sepultada, ao lado de seu filho Juarez, no pequeno cemitério construído por seu
esposo.
Certo
tempo tudo correu com normalidade, mas seu Joaquim se enclausurou em sua
fazenda, e nunca mais botou os pés na vila. Desanimados pela falta de sua
liderança os moradores começaram migrarem para outras cidades da região, dando
inicio a desertificação do vilarejo, que já vinha sofrendo a conseqüência da
forte seca que assolava a região. A coisa se agravou mais ainda quando os
moradores começaram ouvir lamentos vindos cemitério situado colado à igreja, ao
fundo. De inicio não deram muita importância imaginando serem berros das
cabras, mas a coisa foi agravando cada vez n mais. Ninguém mais dormia a partir
da meia noite. Reunidos a busca de uma solução decidiu contratar Zé do Seridó,
um conterrâneo de Carlos Lopes, que se dizia ser um arrequeredor de
assombração. O homem veio pra tirar a limpo o boato que aterrorizava os
moradores. E conseguiu, de fato era mesmo um cabra macho.
De
plantão nas proximidades do cemitério, quando o relógio da igreja deu a décima
segunda badala anunciando a meia noite ele ouviu uma voz repetindo inúmeras
vezes: --Nééééco! A voz veio em sua direção, ele correu até o bueiro da
fábrica, escondendo por traz dele. Viu quando um a mulher que viera pela
estrada da fazenda Salto da Rã dentro de um circulo de fogo que iluminava mais
ou menos dois metros ao seu redor, arrastando correntes, e conduzindo nos
braços uma criança que parecia estar morta com a cabeça, perna e braços
pendurados, e de sua boca escorria sangue em grande quantidade, confuso ele a
acompanhou com os olhos, pode ver quando ela saltou sobre o muro do cemitério e
deu o ultimo Gemido: Nééééécoooo! Ele não teve peito para requerê-la. No
dia seguinte os moradores puderam comprovar que realmente o Zé não mentiu na
direção indicada por ele uma trilha de sangue na poeira, e rastos de dois
objetos possivelmente duas correntes arrastadas por alguém. Seguiram as marcas
elas passaram sobre o muro do cemitério e só terminaram na sepultura da megera
que matou seu próprio filho, ao tentar contra a vida do pobre Neco. Apavorados
os moradores foram se mudando de um a um pouco tempo depois somente meia dúzia
de gatos pingados permaneceram morando na vila.
Tônia a
cozinheira, mudou com o filho para Recife, mais tarde para o Rio de
Janeiro. Néco foi ser jornaleiro, percorrendo os bairros da cidade, a gritar:
olha o “jornaleiro”... Estudou formando-se em jornalismo.
Trinta
anos mais tarde voltou à fazenda Salto da Rã, em busca de suas origens, para
escrever sua própria história. Encontrou tudo diferente a vila abandonada
reduzida a ruínas e escombros, hospedada por ervas daninha, corujas e morcegos.
Nem uma vivalma para contar a história. Seu Joaquim, velhinho numa cadeira de
rodas, aos cuidados de uma sua afilhada a quem ele adotou como herdeira em seu
testamento. Na sala do casarão, onde poucas vezes, ele teve permissão
para entrar, as paredes velhas enfumaçadas, com fotos de ancestrais
petrificadas. Dentre elas, a do casal que em silencio parecia contar a história
daquela trágica e sombria tarde que sugou a vida de seu melhor amigo. No local
do casebre onde Neco residiu com a mãe, apenas as trepadeiras vermelhas se
misturando ao mata pasto, sinalizando sua histórica existência. Somente
desolação permaneceu no lugar do perfume das flores, que os dois amigos juntos
muito aspiraram. O riacho com seu leito barrento, á sua margem arvore
desfolhadas, onde um dia as águas, espelharam as maravilhas da paisagem, um
imenso vazio a perpetuar com sua ânsia, mas não de mar doce, somente de lamuria
da solidão restou.
Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG
Publicação autorizada pelo autor
2 comentários:
Arrepiante! O destino com seus dedos ágeis mexeu as peças, encaixou, desencaixou e retornou à maldade personificada seu próprio veneno. Muito bem urdido esse conto. Parabéns ao autor ou autora. Marina Alves.
Esse texto é triste, mas bastante poético, reparei nisso.Quem escreveu descreve com muita arte cada linha da história. "Quando o alvor da aurora manchava de escarlate o horizonte.."Gostei muito! Parabéns!!!
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