Autor: Geraldo Rodrix
Às vezes me sinto como Mefibosete vagando por uma Lo-Debar espectral. No final da tarde e do arrebol, quando a pouca luz começa a ser tragada pelas sombras, eu vago pelas ruas desertas do Cedro e me encontro com cortejos fantasmagóricos, formado por pessoas que já se foram a muito tempo. Os olhares silenciosos que esses espectros me lançam, costumam gelar meu sangue. Sou prisioneiro de uma cidade morta e seus fantasmas.
O Cedro
já foi um lugar cheio de vida e prosperidade. As ruas eram cheias, os
comerciantes enchiam suas gavetas com o vil metal, suas festas idólatras eram
famosas e duravam dias, a opulência da velha igreja, mesmo em total abandono,
mostram isso, sacos e sacos de dinheiro eram levados daqui pelos padres e
bispos que vinham ao lugar. O sagrado e o profano se misturavam em uma amálgama
de espiritualidade e prazer carnal. Mocinhas perdiam a sua pureza, doentes
alcançavam milagres, os escamoteadores conseguiam seu butim, homens afeminados
saciavam sua lascívia e a fama dessas festas corria longe. Por muito menos Deus
destruiu Sodoma e Gomorra...
Havia a
promessa de um futuro ainda mais grandioso e que não se cumpriu. As casas
abandonadas, a velha e opulenta igreja, o prédio da escola, o antigo posto de
gasolina e os sobrados com suas aroeiras, que parecem indestrutíveis, todos de
portas e janelas abertas, parecem convidar os demônios a entrarem e tomarem
posse do lugar. Quando caminho nas horas mortas, sinto seus olhos me observarem,
ficam inquietos e tenho certeza que pretendem tragar a minha alma. Olhos
famintos... Em certas épocas, quando começa a seca e o calor infernal do sertão
dá lugar ao frio cortante, eles se agitam e fazem loucas danças, se lançam pelo
espaço, feito um vento amaldiçoado, dançam ao som de flautas incendiárias,
festas infernais...
Quando
chega a noite, as suindaras e os morcegos deixam as casas abandonadas e se
lançam na escuridão da noite, animais selvagens vagam por entre as construções
desoladas e cheias de mato, devorando uns aos outros. Quando encontro-os
vagando como eu pelas ruas escuras, não fazem conta de mim, como se eu já não
existisse, ou como se eu fosse um deles.
Na maior
parte do tempo esqueço de me alimentar, não sinto fome ou frio, nem cansaço, só
dor, uma dor que não passa e que parece ser causada por solidão, melancolia,
saudade e opressão. As poucas pessoas que passam por aqui se dirigem a mim, não
consigo me comunicar, não as compreendo, falam sempre de coisas que eu não
consigo mais atinar. Algumas vezes perguntam por pessoas que viviam aqui no
Cedro, lembro-me de todos, de alguns que nem eram de meu tempo. Conheço-os,
todos. Os moradores que moram aqui por perto, pouco se dirigem a mim, dizem que
fiquei doido, me chamam o Louco...
O Cedro
morreu, assim como as pessoas morrem. Uns dias estão cheios de vida, ela flui
por todas as partes, como se nunca fosse acabar, fluindo, interagido, se
renovando e então... Chega o fim. O fluxo é interrompido, a noção do tempo se
acaba, tudo que foi construído, que cresceu até ali no processo da vida é
interrompido e começa a se decompor. Vejo no fundo de minhas retinas, até os
átomos morrem...
O Cedro morreu as pessoas cheias de vida, não
habitam em cidades mortas, elas partem em busca de lugares vivos, seguem o
fluxo. Virei o guardião de uma cidade morta, o Cedro espera por um Hiel que
sacrifique o seu primogênito Abirão e seu caçula Segube. Eu não os tenho e se
tivesse, não desobedeceria ao Deus de Israel. Fico aquiem quanto Deus quiser, depois seguirei o caminho
eterno. Deixarei que o Cedro desapareça sob o céu e até a sua lembrança
desaparecerá, deixando uma dúvida às gerações futuras, tal qual Atlântida o
grande continente, que foi sugada pelo mar e pelo tempo...
Autor: Geraldo Rodrix - Urucuia/MG
Autor: Geraldo Rodrix - Urucuia/MG
3 comentários:
Solidão, loucura, e até um filosofar solitário.Ficou diferente, mas sem dúvida muito criativo. Parabéns ao autor ou autora!
De todas as loucuras a pior é crer na lucidez. Com uma boa dose de loucura, o Louco deixou seu recado, muito bem dado por sinal. O Cedro oscilando às raias da imaginação. Parabéns! Marina Alves.
Por vezes a loucura é o ápice da sabedoria humana. Texto interessante, parabéns!
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