Autor: Oliveiros Martins de Oliveira
O veículo deslizava suavemente pela estrada que serpenteava a caatinga. Dentro do veículo, um silêncio quase sepulcral. Ao lado do motorista, Terto absorto em seus pensamentos relembrava cada pedacinho da sua vida. Deixara cedo sua Arco da Serra, cidadezinha do sertão de Pernambuco, tinha apenas quatorze anos, apesar de seu registro de nascimento constar dezesseis. Esse aumento de idade foi proposital, para que pudesse embarcar no pau-de-arara e rumar para as bandas do Sul na esperança, como muitos nordestinos, de fazer a vida e fugir da aridez do sertão.
O veículo deslizava suavemente pela estrada que serpenteava a caatinga. Dentro do veículo, um silêncio quase sepulcral. Ao lado do motorista, Terto absorto em seus pensamentos relembrava cada pedacinho da sua vida. Deixara cedo sua Arco da Serra, cidadezinha do sertão de Pernambuco, tinha apenas quatorze anos, apesar de seu registro de nascimento constar dezesseis. Esse aumento de idade foi proposital, para que pudesse embarcar no pau-de-arara e rumar para as bandas do Sul na esperança, como muitos nordestinos, de fazer a vida e fugir da aridez do sertão.
Nas
terras do sul conquistou muitos amores, mas mesmo assim não conseguiu
constituir uma família sólida como sonhava, nunca esquecera Quitéria, seu amor
primeiro, morena trigueira, com longos cabelos negros a moldurar aquele rosto
ornado por um belo par de olhos verdes. Ainda era capaz de sentir seu cheiro de
menina moça. Nas terras distantes, foi pau pra toda obra, trabalhou em lavouras
de café, lidou com gado, trabalhou na construção civil, em fim, de tudo fez um
pouco, e aos trancos e barrancos, juntou algum dinheirinho para um dia visitar
a sua cidade natal e matar a saudade que por tantos anos lhe incomodava.
Finalmente
chegara, com passos trôpegos, amparado por uma pequena bengala, Terto caminhou
lentamente por onde era a praça. Seus olhos percorreram com ansiedade todo o
vilarejo em busca de alguma referência do passado distante. La estava ele
agora, de volta a tão sonhada Arco da Serra. Parado ali, no crepúsculo de uma
vida, com o corpo já corroído pelos anos e os olhos já cansados, as lembranças
da infância começaram a desfilar em sua mente entorpecida pela emoção da volta.
Como esquecer as festas de São João e os folguedos embalados pelo som do forró
pé de serra, regados com muita dança e bebida? De Quitéria, linda e faceira, deslizando pelo
salão, esbanjando a sensualidade natural de sua mocidade? Dos casais de
namorados que trocavam carícias furtivas ou do barulho das crianças a correr de
um lado para outro soltando bombinhas e buscapés?
É bem verdade que, sua vida no vilarejo não
foi nem um mar de rosas. Aos doze anos já trabalhava na fábrica de caruá. Na
sua época, criança aprendia trabalhando, fosse hoje, isso seria exploração
infantil do trabalho, e, escola no sertão era coisa rara e muito poucos podiam
frequentá-la. Em dia de feira ainda ajudava a vender os quitutes que sua mãe
fazia. Como eram deliciosos... Mas nada disso tinha importância para uma
criança cheia de vida, tudo era fácil e as tarefas eram prazerosas. A tardinha
ainda se reunia com os mais velhos e os amigos para ouvir causos do sertão que
quase sempre tinha como pano de fundo, as proezas de Virgulino Ferreira, o
Lampião e o eterno “Padim Ciço”. Aliás, contava-se que lampião era meio
aparentado da família, mas ele nunca chegou a conhecer, por que quando se deu
por gente, Lampião já tinha saído pras bandas de Alagoas e Sergipe e logo fora
capturado e morto pelos “macacos”. Aos domingos, ainda achava tempo de ir a
igreja, construída na porção mais alta da cidade, fazer suas orações, e pedir a
papai do céu, saúde e felicidade para toda a família.
À
sombra do enorme juazeiro, o único que restou na praça, testemunha viva dessas
lembranças, percorreu mais uma vez sua querida cidade com um olhar, apenas os
fantasmas do passado. No antigo e
enferrujado relógio na torre da velha igreja que ainda teimava em permanecer de
pé, marcava dezoito horas. Seus olhos foram se fechando e as lembranças e
saudades foram aos poucos se dissipando... O ciclo havia se completado.
Autor: Oliveiros Martins de Oliveira - Diamante do Norte/RN
Autor: Oliveiros Martins de Oliveira - Diamante do Norte/RN
3 comentários:
O bom filho a casa torna...Nem que seja para se despedir. Criativo e bem escrito! Parabéns ao autor ou autora!
Foi levando a gente junto com Terto, até o ciclo se completar! No ar, com mestria, as sensações, que acredito, você, autor ou autora pretendeu. Parabéns! Marina Alves.
Interessante a nota sobre o trabalho infantil. Verdade: antigamente as crianças ajudavam os pais na lida ou no serviço da casa e parece que não perdiam a dignidade por isso, muito pelo contrário, aprendiam a dar valor às coisas, grande dificuldade observada nas gerações mais novas.
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