domingo, 4 de agosto de 2013

Fraguinha na panela

Autora: Meire Boni

Marcinha  não gostava de brincar de boneca, nem de casinha. Passava o seu tempo livre cuidando de pequenos animaizinhos.
Ela e Lurdinha, sua irmã mais velha,  ganharam de presente um porquinho, que recebeu o nome de Tuíca. As duas cuidaram dele como se fosse gente. Quando cresceu ficou muito assanhado,e queria por tudo namorar. Tentava com o cachorro, com a  vassoura,  e até com as pernas de quem estivesse por perto. Não deu outra, o pobrezinho acabou castrado. Recuperou-se rapidinho e depois disso só queria comer. Comia tudo o que via. O pai disse uma vez que ele só não comia as donas porque elas não ficavam deitadas perto dele.
A comilança e a  boa vida o fizeram muito gordo, e o inevitável  aconteceu: o Tuíca acabou indo para a panela. Desde então, ficaram proibidas de criar porco. Lurdinha passou a cuidar de gatos, e Marcinha de pintinhos órfãos.
 Lurdinha já mocinha, adotou uma gata. Que pouco tempo depois já tinha rendido outras cinco cabeças.Marcinha arrumava pintinhos e mais pintinhos. Na fazenda havia sempre algum caso de abandono por parte de alguma galinha desnaturada. Quando não havia, Marcinha mesma se encarregava de separar o bichinho da mãe. 
Seus pintinhos levavam vida de rei. Ela andava longe atrás  de um cupim do cerrado bem fresquinho. Era só quebrá-lo e dar como banquete para os pintinhos. Diziam que era fortificante. 
A maioria morria nos primeiros dias da adoção. Muitas vezes por  excesso de zelo. Para substituir as  penas maternas, empacotava-os com tanto esmero , que  de tão aquecidos, acabavam sufocados.  No dia seguinte quando abria a caixa que servia de dormitório,  estavam duros. Chorava litros de lágrimas, ficava sem comer,  e  isolava-se no quarto por algumas horas. Na casa todos já estavam acostumados, sabiam que o luto e o choro passariam logo. 
Os sobreviventes eram soltos durante o dia, e a noite ela os recolhia  Quando uma tempestade se anunciava, Marcinha saia louca procurando seus filhotes que passeavam pelo quintal. Chamava-os, e todos vinham rapidamente. Já pegou muito resfriado, correndo debaixo de chuva a fim de recolher algum desgarrado.
A maioria dava para a sua mãe quando estavam fora de perigo, já grandinhos.  Mas sempre tinha os especiais. Aqueles que morriam de velho no terreiro.
A fim de protegê-los da panela,  ela os marcava.Marquinha esta, era a diferença entre virar jantar ou ter uma vida tranqüila até a velhice. Os reis, ou rainhas vitalícios do terreiro usavam uma argolinha no pé. Sempre que  precisava se ausentar, deixava mil e uma recomendações para que cuidassem de seus rebentos.
Certo dia, acompanhou a mãe à cidade e  quando chegou em sua  casa, algumas  visitas e  um jantar prontinho as esperavam. Seu pai fazia sala a um compadre e sua família, enquanto seu  irmão, metido a cozinheiro, que adorava  brincar com as panelas  fazia um jantar muito cheiroso e  caprichado.
Marcinha chegou cansada e com fome, só depois do jantar  foi conferir seu bando, como fazia toda vez que se ausentava.  Sabia exatamente onde eles se empoleiravam,  contou e notou a falta de uma de suas frangotas. Contou de novo e nada. Marcinha não quis pensar, não quis acreditar. Seu estômago deu uma revirada e a fez lembrar do prato principal do jantar: frango ao molho.  Ou melhor, era franga.  Como gostaria de estar enganada. Mas não estava. Nem precisava ter contado, sabia exatamente qual delas estava faltando. Segurando o choro foi conferir onde o irmão havia jogado as penas. E não deu outra.  Reconheceu na hora, ali estava jogado o que restava de sua franguinha,  aquela que atendia pelo nome, era só chamar Tuti, que ela vinha correndo. A sua frangota tinha virado jantar!
E o pior de tudo é que sem saber havia comido uma coxa.   Enfiou o dedo na garganta e tentou se livrar da culpa, e dos restos da franguinha.  Não conseguiu. Marcinha soltou um grito de raiva, e como uma  galinha choca, saiu em defesa de sua franguinha.  Foi tirar satisfação com o irmão, nem se importou com as visitas. Ele tinha o dobro do seu tamanho,  pegou-o desprevenido e  conseguiu lhe dar umas unhadas.   Sem saber o que havia acontecido, a mãe perguntou: “O que é isso minha filha? Cadê o respeito?” Engasgada  e cega de raiva ela só conseguiu dizer: “O Jorge cozinhou a minha Tuti, e vocês comeram ela, tadinha! E ainda deixaram que eu comesse também!” Sua  pediu licença para as visitas e levou  Marcinha para o quarto.  “Chega de frango com pulseira e fique aí no  quarto, vou lá na sala tentar limpar a sua bagunça, tentar explicar o que aconteceu.” Só o que restava a Marcinha era chorar. Abriu o bocão e chorou enquanto tinha lágrimas. Só parou quando pegou no sono. Enquanto dormia, sonhou que sua Tuti tinha ido para o céu das galinhas e lá estava feliz, voando de verdade, como um passarinho.
No dia seguinte, após mais uma bronca da mãe, seu pai chegou do cerrado com filhote de papagaio dentro do chapéu: “Aqui filha, esse nenhum de nós vai comer!” Marcinha olhou maravilhada para aquele bichinho peladinho que sacudia a  cabeça para cima e para baixo, ela já o amava.  Jorge deu uma risada e disse: “Nós não comemos perequito, mas os gatos da Lurdinha...”



Autora: Meire Boni - Bela Vista de Goiás/GO




Publicação autorizada pela autora

2 comentários:

Patricia disse...

Excelente texto, só deu pena o Tuíca na panela. Parabéns Meire Boni, você é um primor de escritora.

RebeldeS disse...

Adorei, gosto de estórias de animais.