sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Córrego limpo

Autor: Nêodo Ambrósio de Castro

Passaram-se quase 50 anos, mas os vestígios de uma próspera comunidade permanece estampada nas ruínas do prédio da máquina de beneficiar café. Um enorme prédio de tijolos aparentes com uma majestosa chaminé de quase 15 metros de altura.
Estão, ainda bem conservados, o prédio da fazenda São João e a usina elétrica com a grande roda d’água feita de madeira. Faltando alguns pedaços, mas ainda imponente pelo porte gigantesco. A estação da estrada de ferro foi demolida deixando um vazio naquela bucólica paisagem.
Quem passa pela estrada que liga São Manoel a Prados, não pode imaginar o que representam aquelas ruínas. Mas para quem conhece sua história ou viveu em Córrego Limpo, nos seus anos de progresso, sente um aperto no peito ao cruzar aquele trecho.
A história do lugarejo remonta ao fim do século XIX, quando um cavaleiro, conhecido por João Seleiro,  passando por lá, encantou-se com a paisagem, na ocasião somente uma pradaria com muitas árvores e um pequeno rio, com águas claras e belas cascatas. 
João Seleiro gostou tanto do lugar que acabou adquirindo de alguns proprietários um bom pedaço de terra, onde planejava cultivar café, riqueza natural da região, e também formar um rebanho bovino, para aproveitar a enorme pastagem da propriedade.

A história de João Seleiro

João Seleiro, nascido na localidade de Pedra Branca, cidade distante cerca de 100 quilômetros de Córrego Limpo. Era o filho primogênito de Serafim Seleiro e Dona Maria Bianca. Nascido na década de 80 do século XIX, João, cujo nome verdadeiro era João Evangelista da Cruz, ganhou o apelido de João Seleiro graças à profissão do seu pai, artesão que confeccionava selas ou arreios para montarias e transporte de cargas em lombo de burro. 
Desde cedo João revelou sua aptidão para os negócios, repudiando, assim a profissão de seleiro. Desde garoto gostava de uma “barganha”. Trocava tudo que podia e possuía, sempre auferindo algum lucro com a essa atividade. Era tão bom no ofício de negociante que através dessa atividade obteve sucesso e o ganho de um bom dinheiro e aos 19 anos já era um proprietário de terras. 
Gostava muito de viajar a cavalo, puxando uma mula de carga, no lombo da qual transportava, todo tipo de objeto, para troca, entre os quais: espingardas de caça, garruchas, relógios de bolso e de parede, sanfonas e até violão. Em cada propriedade que parava era muito bem recebido, pois já gozava de boa fama e sempre levava novidades. Nunca saía dos lugares sem auferir algum lucro com suas barganhas.
De troca em troca, seu patrimônio aumentava e progredia a olhos vistos. Já acumulava uma pequena fortuna, quando conheceu Córrego Limpo. Foi simpatia a primeira vista. Resolveu então que ali fincaria os pés e criaria raízes. Tratou de adquirir uns bons alqueires de terra fértil, cortada de ponta a ponta pelo único rio da região.
Trabalhando muito, principalmente na sua atividade de negociante conseguiu erguer um enorme casarão que é até hoje a referência do lugar. Mas ainda estava longe de satisfazer seus anseios, faltava ainda muita coisa para sentir-se realizado.
Seu João, como era conhecido, logo casou-se com Mariquinha, uma moça de família distinta, da região, com a proposta de, com ela, formar uma família numerosa e progredir nos negócios.
Logo após o casamento, já morando no casarão recém construído, com um belo rebanho e extensas plantações de café, viu a necessidade de levar progresso para a sua propriedade que agora era uma pequena, mas próspera comunidade.

O progresso chega à Córrego Limpo

No projeto de João Seleiro estava incluída a construção de uma máquina de beneficiamento de café, pois como bom negociante sabia que podia ganhar mais dinheiro vendendo seu café já beneficiado. Iniciou, então, a construção do prédio onde seria instalada a máquina de café com alvenaria produzida na sua propriedade. 
Começou a fabricar tijolos maciços queimados a forno de lenha ao invés de comprá-los na cidade que ficava bem longe dali. Deu início, então à uma olaria que logo passou a fabricar, também, telha canal. 
Da cidade grande veio o maquinário e também o gerador de energia elétrica que equiparia sua usina a roda d’água que já estava pronta para entrar em operação.
Usina elétrica e máquina de beneficiar café prontas começou, assim, uma nova era de produção de café na região. Seu João não beneficiava somente o café produzido em sua fazenda. Comprava a produção dos seus vizinhos, a qual beneficiava juntamente com a sua transportando o produto para a cidade em carros de bois, onde o vendia com bom lucro. 
A necessidade de mão de obra obrigou-o a construir uma vila de casas para os seus empregados que já eram mais de 20, entre lavradores boiadeiros e trabalhadores na máquina de beneficiar café. Cada um com sua família, foi morar na vila que ficava nas proximidades da  beneficiadora de café.
Com o passar dos anos, novas casas mais empregados, comerciantes e uma série de prestadores de serviços foram se instalando no vilarejo, com a permissão do proprietário. Córrego Limpo, chegou a ter cerca de 40 casas de alvenaria, quase todas de propriedade de João Seleiro que as alugava aos comerciantes, barbeiro, sapateiro e até uma forja que trabalhava quase exclusivamente para ele na confecção de ferramentas para o uso na lavoura e aros para as rodas dos carros de bois.  Também uma bomba de gasolina foi instalada na vila, para abastecer os raros automóveis que por ali circulavam.
Córrego Limpo alcançou destaque após a construção da estrada de ferro que prevendo o desenvolvimento do lugarejo construiu ali uma parada de trens. 
Começava uma era de progresso. João Seleiro quase não se esforçou para isso, a não ser pela construção da vila, da usina elétrica e da máquina de beneficiar café. Pois preferiu ter como principal atividade as barganhas que fazia com todos que apareciam em sua fazenda trazendo alguma coisa para negociar. De sacas de café, açúcar mascavo, arroz, gado e montaria a quinquilharias, ele negociava tudo. O porão de sua fazenda era um verdadeiro entreposto com mercadorias de toda natureza. 
A estrada de ferro além de adquirir uma faixa de terra, em sua propriedade, para estender os trilhos entre as cidades de São Manoel e Prados, adquiriu de Seu João alguns lotes de terreno onde edificou casas para os trabalhadores da manutenção da linha. Isso significou aumento da população e a necessidade de melhores condições de vida para os moradores. Assim Seu João mandou edificar uma igreja em homenagem a São João, seu padroeiro e uma escola primária que funcionava na parte da tarde.
A estrada de ferro trouxe consigo uma agência de correios e o telégrafo. Com tanta melhoria, a vila de Córrego Limpo ficou com cara de cidade.
Esse progresso não durou muito. Cerca de cinqüenta e poucos anos e acabou-se a estrada de ferro. Com o seu fim, veio o desânimo. Os funcionários da ferrovia mudaram-se para outras cidades, a maioria dos comerciantes também e quase nada restou. Os carros de bois já não existiam mais. Com a falta de transporte, a máquina de café encerrou suas atividades, pois já não dava mais lucros. O prédio ficou abandonado e o maquinário foi vendido para um concorrente da cidade de São Manoel, para onde João Seleiro e os outros produtores da região mandavam o café produzido em suas propriedades, cujo transporte passou a ser feito em caminhões do comprador de São Manoel.
Acabaram-se os correios e a escola, restando apenas a Igreja e as festas de São João.
Com a família criada, os filhos estudando na cidade, João Seleiro já não se interessava mais pelos negócios do café nem do gado. Mantinha a casa da fazenda onde restaram a mulher e uma filha que lhe faziam companhia além de alguns empregados que cuidavam do gado e as respectivas esposas que trabalhavam no casarão.
O tempo passou. Morreu Seu João e pouco tempo depois a sua esposa Dona Mariquinha, os últimos moradores do casarão. 
Seus filhos, agora casados e morando nas cidades próximas não se interessaram mais pelas propriedades que foram sendo vendidas após a partilha.
Morria definitivamente o progresso da região. Alguns colonos, agora trabalhando para novos proprietários permaneceram nas casas que não foram demolidas.
Quando eu passo por Córrego Limpo, costumo parar um pouco, em um ponto da estrada, fechar os olhos e lembrar-me dos meus tempos de menino naquela localidade que conheceu o progresso, o qual foi embora da mesma forma e com a mesma rapidez que veio, como um meteoro que passa deixando somente seu rastro na memória daqueles que o viram.


Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

Publicação autorizada pelo autor


3 comentários:

Maria Mineira disse...

Esse autor descreveu muito bem a saga de uma família . Uma história que prende o leitor, com todos os detalhes do progresso até ruína de uma cidade. Gostei muito! Parabéns!

Anônimo disse...

Lembrou-me um lugarejo que conheci, numa história também muito parecida . Muito bem descrita a saga de João Seleiro. Parabéns! Marina Alves.

Helena Frenzel disse...

Nascimento e morte de um vilarejo num belo texto, parabéns!