Autor: Nêodo Ambrósio de Castro
Estão,
ainda bem conservados, o prédio da fazenda São João e a usina elétrica com a
grande roda d’água feita de madeira. Faltando alguns pedaços, mas ainda
imponente pelo porte gigantesco. A estação da estrada de ferro foi demolida
deixando um vazio naquela bucólica paisagem.
Quem
passa pela estrada que liga São Manoel a Prados, não pode imaginar o que
representam aquelas ruínas. Mas para quem conhece sua história ou viveu em
Córrego Limpo, nos seus anos de progresso, sente um aperto no peito ao cruzar
aquele trecho.
A
história do lugarejo remonta ao fim do século XIX, quando um cavaleiro,
conhecido por João Seleiro, passando por lá, encantou-se com a
paisagem, na ocasião somente uma pradaria com muitas árvores e um pequeno rio,
com águas claras e belas cascatas.
João
Seleiro gostou tanto do lugar que acabou adquirindo de alguns proprietários um
bom pedaço de terra, onde planejava cultivar café, riqueza natural da região, e
também formar um rebanho bovino, para aproveitar a enorme pastagem da
propriedade.
A
história de João Seleiro
João
Seleiro, nascido na localidade de Pedra Branca, cidade distante cerca de 100
quilômetros de Córrego Limpo. Era o filho primogênito de Serafim Seleiro e Dona
Maria Bianca. Nascido na década de 80 do século XIX, João, cujo nome verdadeiro
era João Evangelista da Cruz, ganhou o apelido de João Seleiro graças à
profissão do seu pai, artesão que confeccionava selas ou arreios para montarias
e transporte de cargas em lombo de burro.
Desde
cedo João revelou sua aptidão para os negócios, repudiando, assim a profissão
de seleiro. Desde garoto gostava de uma “barganha”. Trocava tudo que podia e
possuía, sempre auferindo algum lucro com a essa atividade. Era tão bom no
ofício de negociante que através dessa atividade obteve sucesso e o ganho de um
bom dinheiro e aos 19 anos já era um proprietário de terras.
Gostava
muito de viajar a cavalo, puxando uma mula de carga, no lombo da qual
transportava, todo tipo de objeto, para troca, entre os quais: espingardas de
caça, garruchas, relógios de bolso e de parede, sanfonas e até violão. Em cada
propriedade que parava era muito bem recebido, pois já gozava de boa fama e
sempre levava novidades. Nunca saía dos lugares sem auferir algum lucro com
suas barganhas.
De troca
em troca, seu patrimônio aumentava e progredia a olhos vistos. Já acumulava uma
pequena fortuna, quando conheceu Córrego Limpo. Foi simpatia a primeira vista.
Resolveu então que ali fincaria os pés e criaria raízes. Tratou de adquirir uns
bons alqueires de terra fértil, cortada de ponta a ponta pelo único rio da
região.
Trabalhando
muito, principalmente na sua atividade de negociante conseguiu erguer um enorme
casarão que é até hoje a referência do lugar. Mas ainda estava longe de
satisfazer seus anseios, faltava ainda muita coisa para sentir-se realizado.
Seu João,
como era conhecido, logo casou-se com Mariquinha, uma moça de família distinta,
da região, com a proposta de, com ela, formar uma família numerosa e progredir
nos negócios.
Logo após
o casamento, já morando no casarão recém construído, com um belo rebanho e
extensas plantações de café, viu a necessidade de levar progresso para a sua
propriedade que agora era uma pequena, mas próspera comunidade.
O
progresso chega à Córrego Limpo
No
projeto de João Seleiro estava incluída a construção de uma máquina de
beneficiamento de café, pois como bom negociante sabia que podia ganhar mais
dinheiro vendendo seu café já beneficiado. Iniciou, então, a construção do
prédio onde seria instalada a máquina de café com alvenaria produzida na sua
propriedade.
Começou a
fabricar tijolos maciços queimados a forno de lenha ao invés de comprá-los na
cidade que ficava bem longe dali. Deu início, então à uma olaria que logo
passou a fabricar, também, telha canal.
Da cidade
grande veio o maquinário e também o gerador de energia elétrica que equiparia
sua usina a roda d’água que já estava pronta para entrar em operação.
Usina
elétrica e máquina de beneficiar café prontas começou, assim, uma nova era de
produção de café na região. Seu João não beneficiava somente o café produzido
em sua fazenda. Comprava a produção dos seus vizinhos, a qual beneficiava
juntamente com a sua transportando o produto para a cidade em carros de bois,
onde o vendia com bom lucro.
A
necessidade de mão de obra obrigou-o a construir uma vila de casas para os seus
empregados que já eram mais de 20, entre lavradores boiadeiros e trabalhadores
na máquina de beneficiar café. Cada um com sua família, foi morar na vila que
ficava nas proximidades da beneficiadora de café.
Com o
passar dos anos, novas casas mais empregados, comerciantes e uma série de prestadores
de serviços foram se instalando no vilarejo, com a permissão do proprietário.
Córrego Limpo, chegou a ter cerca de 40 casas de alvenaria, quase todas de
propriedade de João Seleiro que as alugava aos comerciantes, barbeiro,
sapateiro e até uma forja que trabalhava quase exclusivamente para ele na
confecção de ferramentas para o uso na lavoura e aros para as rodas dos carros
de bois. Também uma bomba de gasolina foi instalada na vila, para
abastecer os raros automóveis que por ali circulavam.
Córrego
Limpo alcançou destaque após a construção da estrada de ferro que prevendo o
desenvolvimento do lugarejo construiu ali uma parada de trens.
Começava
uma era de progresso. João Seleiro quase não se esforçou para isso, a não ser
pela construção da vila, da usina elétrica e da máquina de beneficiar café.
Pois preferiu ter como principal atividade as barganhas que fazia com todos que
apareciam em sua fazenda trazendo alguma coisa para negociar. De sacas de café,
açúcar mascavo, arroz, gado e montaria a quinquilharias, ele negociava tudo. O
porão de sua fazenda era um verdadeiro entreposto com mercadorias de toda
natureza.
A estrada
de ferro além de adquirir uma faixa de terra, em sua propriedade, para estender
os trilhos entre as cidades de São Manoel e Prados, adquiriu de Seu João alguns
lotes de terreno onde edificou casas para os trabalhadores da manutenção da
linha. Isso significou aumento da população e a necessidade de melhores
condições de vida para os moradores. Assim Seu João mandou edificar uma igreja
em homenagem a São João, seu padroeiro e uma escola primária que funcionava na
parte da tarde.
A estrada
de ferro trouxe consigo uma agência de correios e o telégrafo. Com tanta
melhoria, a vila de Córrego Limpo ficou com cara de cidade.
Esse
progresso não durou muito. Cerca de cinqüenta e poucos anos e acabou-se a
estrada de ferro. Com o seu fim, veio o desânimo. Os funcionários da ferrovia
mudaram-se para outras cidades, a maioria dos comerciantes também e quase nada
restou. Os carros de bois já não existiam mais. Com a falta de transporte, a
máquina de café encerrou suas atividades, pois já não dava mais lucros. O
prédio ficou abandonado e o maquinário foi vendido para um concorrente da
cidade de São Manoel, para onde João Seleiro e os outros produtores da região
mandavam o café produzido em suas propriedades, cujo transporte passou a ser
feito em caminhões do comprador de São Manoel.
Acabaram-se
os correios e a escola, restando apenas a Igreja e as festas de São João.
Com a
família criada, os filhos estudando na cidade, João Seleiro já não se
interessava mais pelos negócios do café nem do gado. Mantinha a casa da fazenda
onde restaram a mulher e uma filha que lhe faziam companhia além de alguns
empregados que cuidavam do gado e as respectivas esposas que trabalhavam no
casarão.
O tempo
passou. Morreu Seu João e pouco tempo depois a sua esposa Dona Mariquinha, os
últimos moradores do casarão.
Seus
filhos, agora casados e morando nas cidades próximas não se interessaram mais
pelas propriedades que foram sendo vendidas após a partilha.
Morria
definitivamente o progresso da região. Alguns colonos, agora trabalhando para
novos proprietários permaneceram nas casas que não foram demolidas.
Quando eu
passo por Córrego Limpo, costumo parar um pouco, em um ponto da estrada, fechar
os olhos e lembrar-me dos meus tempos de menino naquela localidade que conheceu
o progresso, o qual foi embora da mesma forma e com a mesma rapidez que veio,
como um meteoro que passa deixando somente seu rastro na memória daqueles que o
viram.
Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG
Publicação autorizada pelo autor
3 comentários:
Esse autor descreveu muito bem a saga de uma família . Uma história que prende o leitor, com todos os detalhes do progresso até ruína de uma cidade. Gostei muito! Parabéns!
Lembrou-me um lugarejo que conheci, numa história também muito parecida . Muito bem descrita a saga de João Seleiro. Parabéns! Marina Alves.
Nascimento e morte de um vilarejo num belo texto, parabéns!
Postar um comentário