segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Osso Duro de Roer

Autora: Marina Alves

Fofo, fofinho! Pelos dourados, olhos espertinhos. Filhote de Lhasa Apso, no auge da energia canina. Na sala do apartamento ele apronta. Puxa a cortina, pula no sofá, arrasta um pé de meia, persegue um pernilongo, rói o pé da mesa comprada na semana passada. Enjoado de puxar, pular, arrastar, perseguir e roer, ele agora quer latir. Latir muito pra quebrar a pasmaceira desse prédio chato e desse tédio de manhã de domingo.
A dona quer sossego. Ele a acordou as cinco da madrugada. Na verdade ela ainda está meio dormindo. Urgente! Ela precisa de algo pra distrair essa coisa fofa antes que ela acorde o prédio inteiro com seu latido esganiçado. Sacode o marido “Benhê, cadê o osso do Chope?”. Benhê não sabe de osso nenhum. Também está morto de sono. Pra ele, o latido do Chopinho não passa de algum efeito sonoro emergindo das profundezas de um desenho animado.
Ufa! O osso debaixo do sofá! Junto, uma camiseta sumida desde ontem e as havaianas com as tiras roídas. Triunfante, ela exibe o troféu: Chope vai ao delírio. Ama aquele ossão! Há meses vem tentando vencê-lo com seus dentinhos superafiados. Os olhos brilham. É hoje que dá cabo desse desafio. Num salto magistral abocanha sua vítima. Está decidido: vai destroçá-la até os últimos vestígios...
Chope no meio da sala, osso firme na boca. Rói, rói e rói. Ah, que nervoso! Osso duro de roer! A saliva molhando, as fibras se desprendendo. Tirinhas desfiadas de queijo trança? Bem parecido. Chope quer arrancar uma tirinha. Mas ela não solta! Ai, que raiva! Balança freneticamente a cabeça de um lado pro outro. Chi!! A dona adivinha a catástrofe. Tarde demais pra evitar. Lá vai o ossão voando pela janela! Horrorizada, ela vê o objeto se projetar perigosamente no espaço. Escuta quando ele cai com impacto estrondoso. Onde? Bem no meio da mesa de café da manhã do apartamento em frente. Ai, que tragédia! Fazer o quê? Não sabe e não quer nem saber. Corre a cortina e vai voando se esconder no quarto.
E agora? Bom, agora é se preparar espiritualmente pra quando for chamada a depor. Acusação? Chamar sugestivamente o vizinho de cachorro. Difícil negar o crime. As provas? O grande osso que lhe mandou de presente para o café da manhã...
E o Chope? Na área de serviço destruindo uma samambaia...


Autora: Marina Alves - Lagoa da Prata/MG

Página da autora:

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=64920

Publicação autorizada pela autora

5 comentários:

Ana Bailune disse...

Rsrsrs... minhas mesas até hoje tem as marcas dos dentes do meu falecido Aleph. Não consigo desfazer-me delas, pois são uma lembrança dele.

Carlos A. Lopes disse...

Os animais conseguem nos escravizar voluntariamente, o que é muito saudável. E quando isso acontece é sinal de amor de ambas as partes. Amor a primeira vista, digamos assim, o final é sempre lamentoso e de inesquecíveis recordações. Viva os animais! Não saberia viver sem eles.

Patricia disse...

Gosto do seu jeito suave de escrever, Marina Alves, você é seguramente uma grande escritora. Bela estória, texto memorável.

Anônimo disse...

O amigo Carlos Lopes me falou dos textos que tem hospedado no blog envolvendo animais, este é o primeiro que leio e devo ler outros com mais tempo. Moro em Vitória de Santo Antão e sempre fui fascinado por animais, sobretudo por cachorros, são amigos. Pra finalizar, gostei muito do seu texto escritora, vou voltar a aparecer mais vezes no blog. Meu nome é José Rildo Rodrigues.

Anônimo disse...

Agradecendo pelas visitas, pelas palavras gentis aqui deixadas. A todos um abraço. Marina Alves.